t?o triste deparar-se-nos uma nova desgra?a?
Muito triste. é uma luz que se apaga. Um horisonte que se fecha. Uma colheita de lagrimas na seara das esperan?as.
E o sorrir da resigna??o, e o levantar das m?os em fervente amor de Deus, é a mais grandiosa attitude na desgra?a. O infeliz é ent?o um rei no throno das angustias. O manto de retalhos tem a magestade da purpura. Ignacio, o mendigo de Monserrate, é maior que o gentil-homem de Loyola.
XIII
O coronel soffria muito; porque, a par do grupo querido de esposa e filhos, nunca de seus olhos se afastava o aspecto da penuria.
á escuridade da indigencia n?o chega a luz do amor: deixar falar os poetas.
Ha sentimentos de miseria que os sentimentos da gloria n?o podem eclipsar. A felicidade tem exalta??es intermittentes de jubilo. Mas a desgra?a pensa sempre, fala sempre; vela á cabeceira do infeliz; desperta-o com o aguilh?o de um sonho mau; desmente-lhe as illus?es; ri-lhe a cada esperan?a; embrutece-o; retráe-lhe as expans?es do espirito.
Onde a desgra?a emmudece com a consciencia do penitente, que se levanta dos pés do ministro dos perd?es, é na presen?a da cruz.
O coronel orava um dia com sua familia. Maria balbuciava as mesmas palavras do pae, e parecia, com os olhos fixos n'elle, tomar-lh'as dos labios como um beijo e um segredo de muita felicidade na muita desventura.
A sua ora??o era a dadiva do Christo: era aquella, que pendera dos labios divinos do Mestre como orvalho para todos os ardores, como balsamo para todas as chagas, como heran?a de amor para todas as gera??es de ingratos.
Era esta a sua ora??o:
?Padre nosso, que estaes no céo, sanctificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino; seja feita a vossa vontade...?
XIV
Alguem procurava o coronel. Amigo ou inimigo? O homem da honra nunca se nega. O que f?ra christ?o antes de politico, e pedira a Deus a paz de seus irm?os, antes de mostrar-lhes, ao sol das batalhas, o lampejo de uma espada escrava da obriga??o, esse poude ser exauctorado de titulos ás grandezas, de direito ao trabalho, de p?o, e de liberdade, mas o opprobrio n?o o desanima, nem o envergonha.
A valentia moral n?o tem capitolios na sociedade immorigerada; mas tem-os na consciencia do proprio que a experimenta. Um homem assim, decaído do que f?ra, apresenta-se altivo de certa soberania que parece um triumpho, ultraje dos oppressores.
O coronel, se tivesse a receber as felicita??es vendidas á sua patente de general, talvez n?o consentisse que t?o depressa fosse aberta a sua porta.
Abriram-n'a.
O homem que entrára, sem dar o nome, era uma figura que, sem articular palavra, impunha silencio aos que o recebiam. Trajava pobremente.
Quem buscasse um modelo para a estatua da imagem do infortunio, acha'-la-ia n'aquelle homem.
E, sorrindo, offerecia a m?o ao coronel, que viera, chamado por sua esposa, a contempla'-lo rodeado dos filhos, que pareciam perguntar-lhe quem era o extranho hospede.
Aquelle silencio, precursor de lagrimas, n?o podia conter muitos minutos cora??es anciosos.
--?Quem é o senhor?? perguntou o coronel.
--Quem sou eu?! respondeu o desconhecido.--Trinta annos de clausura, e alguns mezes de trabalhos desfiguram a face de um irm?o!...
O coronel correra aos bra?os do hospede. Maria, organisa??o melindrosa, que presentia já os calefrios de um enthusiasmo juvenil, estremecia d'aquelle tremor nervoso, em que as lagrimas da alegria denunciam alma vehemente, apaixonada por tudo que é grandioso. Sua m?e tomava a m?o de seu cunhado entre as suas, que pareciam erguidas em gra?as ao Altissimo. As outras crean?as volteavam alegres em redor do grupo, e figuravam outros tantos anjos a solennisarem aquella festa na tristeza, e aquelle jubiloso alvoro?o do sangue, quando o espirito se confrangia na d?r.
XV
Fr. Antonio dos Anjos f?ra um oraculo de sciencia, e um exemplo de santidade no seu mosteiro. Filho de paes opulentos, de virtudes, heran?a de avós corajosos de bra?o e espirito, o seu patrimonio de resigna??o n?o pudera a politica espoliadora apregoa'-lo na pra?a. Affeito a encaminhar, com m?o segura, pelas margens do abysmo, os que a d?r extraviára, o monge amparava-se na altura da dignidade de martyr. No centro d'aquella familia, quem mais paz e alegria soboreava no cora??o era elle. Elle, sim, que trinta annos havia, despira as galas do mundo, e envergára o habito que desfigura as fórmas do corpo, e as fei??es da alma. Elle, sim, que trinta annos vivera pobre d'aquelle ouro que afervora a adora??o das multid?es; e, ent?o expulso da sua enxerga, e do seu refeitorio, n?o geme a falta de um ouro, que nunca possuira.
XVI
--?Quereis a historia dos meus trabalhos, n?o é verdade?? perguntava o monge, com sua sobrinha Maria sentada nos joelhos, e com dois dos outros abra?ados.
--?Sim, sim, queremos? respondeu Maria com extranha vivacidade.
--?N?o--replicou o coronel--n?o recordes penas que te n?o alliviam o receio de outras maiores...?
--?N?o é assim...--tornou Frei Antonio--As afflic??es, que se recordam com serenidade, parecem zombar das afflic??es

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