Galatéa | Page 8

António Joaquim de Carvalho
Ácis! Ceos! Será mentira?
ÁCIS.
He verdade; o teu Ácis sou: respira.
GALATÉA.
Oh Providentes Ceos! Deoses Clementes,
Que assim curais as chagas
dos viventes.
ÁCIS.
Tu choras! He de gosto, ou de agonia?
GALATÉA.
Chorei de magoa, agora de alegria.
ÁCIS.
Tu choravas por mim! Mereço eu tanto?
GALATÉA.
Vê bem o estrago, que em mim fez o pranto.
Estes olhos, que tu
chamavas bellos,
Hoje magoados fugirás de vêllos.
ÁCIS.
Assim mesmo são dois lindos diamantes,
Quie inda eclipsados,
sempre são brilhantes.
Mas dize, Galatéa, que motivo
Acendeo esse
fogo, tão activo?
GALATÉA.

A ausencia de tres dias (longos dias!)
De lagrimas, de sustos, de
agonias;
E mais que tudo hum sonho feio, horrivel,
Que o não
matar-me, não parece crivel:
Sonho cruel, que me pintou na idéa
A
desgraça maior, scena mais feia:
Que o monstro Polyfemo te
arrancára
A amavel vida, que esta vida ampara.
ÁCIS.
E credito lhe déste, sendo esperta?
GALATÉA.
Sim, que a má nova quasi sempre he certa.
LAURINDO.
Se eu não corro a tiralla da vareda,
N'algum despenhadeiro achava a
queda.
GALATÉA.
Laurindo nos meus males tomou parte,
E até por compaixão quiz ir
buscar-te.
ÁCIS.
Bom amigo, e bom Mestre, as sãs doutrinas
Tu com virtuoso exemplo,
nos ensinas:
Tu semeas os campos de equidade,
Nós colhemos os
fructos da piedade.
LAURINDO.
Huns para os outros sermos bons devemos:
Todos somos irmãos: de
hum Pai nascemos:
Se hum errar, deve o outro encaminhallo:
Se
hum cahir, deve o outro levantallo.
GALATÉA.

Perdoa, que eu atalhe o teu conselho,
Proprio de hum Sábio, Virtuoso,
e velho.
Dize, meu Ácis, dize, por clemencia,
Qual foi a causa de
tão longa ausencia?
ÁCIS.
Foste tu: foi o amor, e foi o empenho
De trazer-te a Ovelhinha, a qual
já tenho.
Ao casal ta levei; mas sem achar-te;
Pois vieste a
buscar-me, eu vim buscar-te.
GALATÉA.
Achaste a minha Ovelha! Ah! Onde estava?
Bem que eu por ti nem
della, me lembrava.
ÁCIS.
Visinhos campos, as distantes terras,
Amenos valles, escabrosas
serras,
Tudo corri: examinei choupanhas,
Pobres Aldêas, rusticas
cabanas.
Perguntei aos campinos, Lavradores:
Rebanhos espreitei:
busco aos Pastores:
Todos dizem: "Não vimos, não sabemos:
"Nem
leve rasto dessa Ovelha temos.
Eu de perdê-la já desenganado,
De
magoa afflicto, de buscar cançado,
Voltar queria a ver teu lindo rosto;

Mas dava gosto a mim, e a ti desgosto:
Eu a dor da saudade em
mim curava;
Mas na má nova, nova dor te dava.
Nisto pensava
triste, e vacilante,
Quando escuto berrar pouco distante,
Parto, gyro,
procuro, em vão procuro:
Pois nada vejo: vejo hum bosque escuro,

Que o Sol formoso nunca vio por dentro:
Corro, o bosque examino; e
lá no centro
Vejo hum pobre roupeiro esfrangalhado,
Dormindo, e a
Ovelhinha preza ao lado.
Eu, que a vejo, e conheço, ó que alegria

Em teu obsequio a minha alma enchia!
Com lentos passos vou muito
manso andando,
O sussurro das plantas receando,
Se bem que o
vento amigo me valia;
Pois nem das folhas o brincar se ouvia.

Chego ao ladrão: observo, que em socego
Dorme roncando: na
Ovelhinha pego:

Sobre os hombros a ponho, e vim fugindo,
Do

furto alegre, de alegria rindo.
Trepando huma deserta ribanceira,

Ouço hum grito, ólho a traz, vejo á carreira
Seguindo-me a gritar o vil
roupeiro:
"Ó ladrão! Larga a Ovelha! Ó ratoneiro!
Eu, que vejo o
meu credito infamado,
Páro, e com ira mostro-lhe o cajado.

Prudente parto: segue-me as pizadas:
Torço a vareda, corre-me ás
pedradas.
Dellas me affasto; e por final prejecto.
Na leve funda
grossa pedra metto.
Agito a funda: corro então mais perto:
Desparo
a pedra, no vil peiro acérto.
Fica o ladrão sem tino: quer suster-se:

Não póde: cahe: forceja para erguer-se:
Outra vez cahe de costas: vai
rolando:
Péga-se ás pedras, mas em vão pegando,
Que as mesmas
pedras, em que busca abrigo
Rólão sobre elle por maior castigo;
E
despenhado assim pela barreira
Vai té parar na margem da ribeira.
GALATÉA.
Ah! Que dizes! Mataste o desgraçado?
ÁCIS.
Não ficou morto, não, mas maltratado,
Eu vi... com quanta dor o
estive vendo!
Cahio mortal; depois se ergueo gemendo.
Olhou-me
então com iras, e ameaços;
E trémulo partio com lentos passos.
GALATÉA.
Tu, que es no coração manso cordeiro.
Hoje tornado em lobo
carniceiro!
ÁCIS.
Eu cordeiro não sou; porém se o fôra
Tornar-me em lobo foi preciso
agora.
LAURINDO.
Castiga-nos o Ceo, se nos vingamos;
Mas tambem quer, que a vida

defendamos.
ÁCIS.
Se mais piedade do ladrão eu tinha,
Nem eu era já teu, nem tu já
minha.
GALATÉA.
Se a amavel vida o ímpio te roubava,
N'huma só morte duas mortes
dava.
ÁCIS.
Esses extremos no meu peito os guardo
Para atear de amor o fogo, em
que ardo.
Vamos, vamos, formosa Galatéa,
Alegrar com teu rosto a
triste Aldêa:
A Aldêa, que por ti chorava agora,
Qual bom Filho,
que a Mãi perdida chora.
GALATÉA.
Chora a Pátria, por mim? Quanta amizade
Devo aos bons, que se
nutrem da piedade!
LAURINDO.
És bella, e inda mais bella por virtuosa;
Que a virtude inda a feia faz
formosa.
Porém vê, que a Virtude cultivada,
Cresce, bem como a
planta, que he regada;
Mas se falta a cultura, vai murchando;
E qual
planta sem agua vai secando.
Hide: a benção do Ceo sobre vós desça:

Aos vossos olhos branda relva cresça;
E nella apascenteis grossas
manadas
De prenhes vaccas gordas, e malhadas.
Tantas as cabras,
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