tantos os cordeiros,
Que enchão os valles, enchão os oiteiros.
Hide,
que he longe a Aldêa: hide, que he tarde:
O Ceo vos abençôe, o Ceo
vos guarde.
A benção gere em vós dois bons Esposos,
Que fructos
dêm ao Ceo, fructos ditosos.
ÁCIS.
Adeos, meu bom Pastor, meu caro amigo,
Gloria dos campos, deste
povo abrigo.
GALATÉA.
Essa benção do Ceo, que em nós desejas,
Sobre tudo, que he teu,
sobre ti vejas.
Ácis, vamos aqui pelo serrado,
Que he mais perto, he
mais doce, e he povoado.
ÁCIS.
Vamos cortando por entre estas faias:
Dá cá a mão: salta o rego: olha,
não caias.
Tu saltas mais, do que eu: és bem ligeira!
GALATÉA.
Se eu quiser não me apanhas na carreira.
Que farão hoje ao ver-me de
contentes
As amigas, visinhos, e os parentes,
Que ao vêrem-me
vagar só sem conforto
Julgar-me-hão morta, por julgar-te morto?
ÁCIS.
Se o bem nos foge, atêa-se o desgosto:
Torna o bem, morre o mal,
renasce o gosto.
Tu verás nas Pastoras desgrenhadas
Olhos feridos,
faces desmaiadas.
E ao ver-te, o riso, e pranto misturando,
Humas
ás outras com prazer chamando:
Todas para te verem correm, voão:
Vivas, applausos pelos ares sôão.
Huma te beija a face alva, e
rosada,
Que a faz com pranto seu rosa orvalhada.
Outra te enfeita as
tranças graciosas
De myrto, e cravo, de jasmins, e rosas.
Verás, que
ao som das lyras vem cantar-te
A magoa de perder-te, o bem de
achar-te.
Verás, como os chorosos innocentes,
Quando te virem,
brincaráõ contentes.
Verás a fonte, que turbada a vejo,
Corre alegre
a dar a nova ao Téjo.
Verás o Téjo, que sem ti bramia,
Quão plácido
vem ver-te á praia fria.
Verás o Melro, o Rouxinol suave
Convertendo a tristeza em canto grave.
Verás saltando os tenros
Cabritinhos
Alegrarem os tristes Cordeirinhos,
Verás curvar-se o
tronco a dar-te as frutas;
Correr o rio, vir trazer-te as trutas.
Hoje
farás feliz, farás contente
A Aldêa, o rio, a fonte, o gado, a gente.
GALATÉA.
Feliz me fazes tu: viver me fazes:
Aos meus bons dias novos dias
trazes.
ÁCIS.
Como posso eu fazer a alguem ditoso,
Quando só por ser teu, sou
venturoso?
Sem ti rustico sou, humilde, e pobre:
Comtigo sábio sou,
sou rico, e nobre.
GALATÉA.
Demos graças a Amor: Amor cantemos,
Que assim nos téce a Santa
paz, que temos.
ÁCIS.
Sim, cantemos Amor: a voz levanta,
A voz sonora, com que Amor
encanta.
GALATÉA.
Amor me fez guerra:
Lutámos, venceo-me;
O peito rompeo-me
Para Ácis entrar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
ÁCIS.
Amor nos tens olhos
Forjou doce flexa:
Ferio-me: esta brexa
Tu
sabes curar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
GALATÉA.
Ao ver-me ferida,
Primeiro assustei-me,
Depois alegrei-me,
Amor
fui cantar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
ÁCIS.
Eu pude da seta
Salvar o meu peito;
Não quiz: puz-me a geito,
Deixei-a entranhar.
Taes laços, taes setas
Devemos Beijar.
GALATÉA.
Depois de ferir-me
Mostrou-me as algêmas;
E diz-me; "Não temas
"Quando eu tas lançar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
ÁCIS.
Ferir-me, prender-me
Não era preciso,
Bastava hum teu riso:
Hum teu brando olhar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
GALATÉA.
Amor, abre as azas
Vem, prende estes braços,
Que os teus doces
laços
Não hei de quebrar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
ÁCIS.
Sou prezo por gosto,
Por honra cativo:
Por prezo he que vivo,
Qual peixe no mar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
GALATÉA.
Amor, chama as Graças,
E o Santo Hymeneo!
Que venhão do Ceo
Meu laço apertar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
ÁCIS.
Tu chammas as Graças?
Não clames por ellas;
Pois Graças mais
bellas
Em ti venho achar.
Taes laços, taes setas
Devemos beijar.
GALATÉA.
Basta: cançada vou: mais não cantemos:
Logo melhor n'Aldêa
cantaremos.
ÁCIS.
Pois vai tu pela encosta desse monte,
Que a lyra vou buscar: lá saio á
fonte.
GALATÉA.
Não te demores lá, minha alegria.
ÁCIS.
Já volto a ver-te, minha luz do dia.
GALATÉA.
Levas-me a vida, a jóia mais perfeita.
ÁCIS.
Em penhor dessa vida esta alma acceita.
GALATÉA.
Em penhor! Queres pois, que a restitua?
ÁCIS.
Não; se essa vida he minha, esta alma he tua.
FIM
End of the Project Gutenberg EBook of Galatéa, by António Joaquim
de Carvalho
0. END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK GALATÉA ***
. This file should be named 21780-8.txt or 21780-8.zip *****
This and all associated files of various formats will be
found in:
. http://www.gutenberg.org/2/1/7/8/21780/
Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição
visite
http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was
produced from scanned
images of public domain material
from Google Book Search)
Updated editions will replace the previous one--the old editions will be
renamed.
Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties. Special rules, set
forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying
and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the
PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge
for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not
charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is
very easy. You may use this eBook for nearly any
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.