regos da lavrada terra,
Hia o meu Ácis triste, suspirando
Com
prompta vista a minha rez buscando;
Outras vezes, olhando para a
Aldêa,
Clama saudoso: "Ah minha Galatéa!
Quando de entre hum
pinhal... de o dizer, tremo:
Sahe o barbaro, o manstro Polyfemo.
Toma-lhe o passo, e n'hum trilhado estreito
Com dardo agudo lhe
traspassa o peito:
Clamando: "Morre, vil, morre, inimigo,
"Que inda
mereces mais cruel castigo.
"Chama agora o teu bem, chama a fingida,
"Grita por ella, que te torne a vida.
Á violencia do golpe, o
desgraçado
Solta do peito afflicto hum ai magoado
Trémulo, curvo,
com a mão convulsa
O peito aperta, donde o sangue pulsa:
Quer
suster-se, não póde, a força falta:
A mão solta do peito, o sangue salta:
Vai vergando, e cahindo: hum tronco agarra:
Este se quebra, o
fraco pé lhe esbarra;
E sobre hum mar de sangue da ferida
Cahe
exhalando a preciosa vida.
Com vista incerta, os olhos vidracentos,
Trémula a voz, sem côr, já sem alentos,
Exclama, em fim, nas mãos
da morte feia:
"Valei-me, Ceos, adeos ó Galatéa.
E soltando hum
suspiro, os olhos serra:
Ferindo as plantas, magoando a terra.
Oh
Deoses! Inda incerta esta desgraça;
He qual farpão, que o peito me
traspassa;
E se he certa, mandai, que a dura morte
Sobre mim venha,
e descarregue o corte:
Morreo Ácis por mim, por elle eu morra:
Qual do seu, do meu peito o sangue corra:
LAURINDO.
Misera Galatéa enchuga o pranto,
Que hum sonho falso não provoca
a tanto.
GALATÉA.
Este sonho, a demora, e Polyfemo,
Tudo me assusta, e a desgraça
temo.
LAURINDO.
O sonho intimidar-me não devia
Por ser falsa illusão da fantasia.
Do Pastor a demora, que te assusta,
Tambem póde nascer de causa
justa.
Se temes Polyfemo, o susto affasta:
Comigo vive, eu nunca o
deixo, e basta.
E desde que o domei por teu respeito,
Tudo que eu
mando, que elle faça, he feito.
Piza, piza, a teus pés essa agonia:
Faze, que a fonte com teu riso ria.
GALATÉA.
Tu destróes em parte o meu desgosto;
Mas não consegues ver-me
enchuto o rosto:
Não: fazer que esta setta não me fira,
Só póde o
meu Pastor. Ah! Quem o víra!
Só pódem os seus olhos engraçados
Dar vista aos meus já cégos, e cançados.
Mas temendo o rancor de
Polyfemo,
As proprias sombras dessas plantas temo.
LAURINDO.
Do triste Polyfemo o rancor deixa:
Tu foste a causa, e só de ti te
queixa.
GALATÉA.
A causa fui! Eu sou féra impestada,
Que fizesse aquella alma
invenenada?
LAURINDO.
A causa foste, sim, porque o amaste,
E por Ácis, sem culpa, o
desprezaste.
GALATÉA.
Pelos Deoses do Olympo Soberano
Juro que nunca amei tal monstro
insano.
LAURINDO.
Pois se he certo, que amor não lhe tiveste,
Porque falsas promessas
lhe fizeste?
GALATÉA.
Porque assim o meu Ácis defendia
Da vingança, que o vil lhe
promettia.
LAURINDO.
Ah! Pois quiz com violencia... ( que loucura!)
Gerar amor, que nasce
da ternura!
GALATÉA.
Sim, com rigor queria, que o amasse,
E que o meu peito ao meu
Pastor fechasse.
Clamando irado assim: "Cruel Pastora,
"Tu
desprezas soberba, a quem te adora?
"És toda do teu Ácis? Pois
discorre,
"Que ou tu has de ser minha, ou Ácis morre.
"Dize,
resolve já, ou vou matallo;
"E o coração aos olhos teus mostrallo.
Eu ante o monstro vil de crueldade,
Que não cede á razão, nem á
piedade,
Rogo-lhe compaixão: não se enternece:
Choro humilde a
seus pés: mais se embravece.
Eu delirava neste lance forte
De dar
ao triste a vida, ou dar-lhe a morte.
Ácis morrer por mim, sendo
innocente!
Não, por livrallo fiz-me delinquente.
Com o tyranno usei
de idéas novas
Para dar-lhe de amor fingidas provas;
Mas o meu
firme peito era impossivel,
Que abrisse a porta aquelle bruto horrivel.
Se nisto te aggravei, Ácis desculpa;
Se eu delinquente fui, foi tua a
culpa.
LAURINDO.
Nao chores, virtuosa Galatéa:
De ti fazia mui diversa idéa;
Bem que
eu não sigo as linguas venenosas,
Que as mulheres só tratão de
aleivosas:
Sei, que muitas o são, sim, não duvido,
Pelos casos, que
vejo, e tenho ouvido;
Mas contem-se as traições d'ellas, e d'elles,
Se
acharem nellas mil, ha dez mil nelles.
Tu, exemplar Pastora, mostrar
queres,
Que és a gloria, o modelo das mulheres:
Que os falsos
homens pódes doutrinallos;
E com teu mesmo exemplo
envergonhallos.
Vai-te em paz, vai guardar teu manso gado:
Do teu
Ácis feliz dá-me o cuidado,
Que eu hirei procurallo: em mim confia,
Que hei de tornar-te a noite em claro dia.
GALATÉA.
Ah piedoso Laurindo! Se tal fazes,
A hum corpo morto nova vida
trazes.
ÁCIS.
Que triste vejo a serra, o valle, o monte!
O rio pasma, corre turva a
fonte.
Sim, sem a minha amavel Galatéa
A clara luz do Sol he triste,
e feia.
Mas onde te acharei, gentil Pastora,
Para clamar então: já
vejo a Aurora!
Aves, tornais o canto em agonia
Porque vos falta a
Mestra d'harmonia?
O Ceo com ella adoce o meu tormento,
Tereis
nova lição, e eu novo alento,
Mas ah! Que vejo! Que gentil Pastora?
Parece Galatéa! Oh feliz hora!
Não, não me enganes, lisongeira
idéa.
N'altura... em trage... em gesto... he Galatéa,
Que está
banhando em pranto o lindo rosto:
Eu corro, eu vou tornar-lhe a
magoa em gosto.
GALATÉA.
Ácis, se és vivo, sorte igual não tive.
ÁCIS.
Inda o teu Ácis dos teus olhos vive.
GALATÉA.
Ah! Que vejo!
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