Galatéa | Page 6

António Joaquim de Carvalho
essa mão féra, humicida,
Rompe os duros grilhões, com
que te prende,
Quebra-lhe as setas, ficará vencida.
GALATÉA
EGLOGA.
SEGUNDA PARTE.
DO MESMO AUTHOR.
INTERLOCULORES.
GALATÉA, LAURINDO, E ÁCIS.
GALATÉA.
EGLOGA.
A bella, incomparavel Galatéa,
A Nynfa, tutelar, gloria d'Aldêa
O
seu Ácis perdido busca afflicta:
Corre, examina, geme, chora, e grita:


"Ácis! Ácis! Meu bem! Onde te escondes?
"Eu rouca de chamar-te,
e não respondes?
"Se nas margens do rio por ti clamo;
"Mais foge o
rio, quanto mais te chamo.
"Se á fonte vou teu nome repetindo,

"Ella vai murmurando, e vai-se rindo.
"Só este monte de me ouvir
magoado,
"Se eu te chamo, elle chama, e tu calado!
"Ah meu Ácis!
meu bem, se inda tens vida,
"Soccorre esta, que he tua, assáz perdida.

"E se aos campos Elysios já partiste,
"Lá verás breve a Galatéa
triste.
"A ti me ha de ligar a morte crua;
Pois tu és a minha alma: eu
alma tua.
LAURINDO.
Que vozes, ternas vozes tão sentidas
Os montes ferem de afflicção
nascidas!
GALATÉA.
Ah Pastores, que, alegres, divertidos
Cantais ao triste som dos meus
gemidos!
Se este pranto vos move á caridade,
Deparai-me o meu
Ácis, por piedade.
LAURINDO.
A voz he de mulher. que ao longe grita.
Quem pudéra valer á triste
afflicta!
Os duros écos, que este valle atrôão,
Senão me engano,
desta encosta sôão.
Eu vou por este pedregoso atalho
Ver, se
encontro, quem he, ver se lhe valho.
GALATÉA.
Ah! Ninguem já responde aos meus clamores?
Já não acho piedade
nos Pastores?
Misera Galatéa! A que chegaste,
Depois que amor no
coração geraste!
Mas ah! Senão me engana a mata espessa,
Hum
homem para mim o passo apressa!
He Pastor: quem será? Não vejo
tanto,
Pois me escurece a vista o grosso pranto.
Será o meu bom
Ácis? Se elle fôra,
Huma nova alma eu concebêra agora.
Ácis! Ácis!

És tu? Responde, falla:
Ou não he elle, ou não me estima, e cala:
LAURINDO.
He Pastora; e se não me engana a idéa
Pelo gentil semblante he
Galatéa.
GALATÉA.
Ah! Já vejo: já estou desenganada,
Que o meu Ácis não he. Ó
desgraçada!
LAURINDO.
Galatéa, que tens? Tu, que algum dia
Semeavas os campos de alegria,

Hoje com pranto, e vozes, que enternecem,
Murchas as plantas,
que ao teu riso crescem!
GALATÉA.
Feliz foi esse tempo; porém hoje
De mim (qual rez ferida) o prazer
foge.
Mas dize-me, Laurindo, acaso viste
O meu Ácis, por quem
suspiro triste?
LAURINDO.
Ha dias, que o não vi; mas que motivo
Banha o teu lindo rosto em
pranto activo?
GALATÉA.
Eu te mostro a origem, que ao mostralla,
No triste peito o coração me
estalla.
Ha tres dias... Oh dias de amargura,
Mais negros para mim,
que a noite escura!
Quando o Sol hia ver outro Orizonte,
Deixando
triste o rio, o valle, o monte,
Metto o fuso na róca, o gado chamo

Para o pobre curral, vem ao reclamo:
Conto as cabeças, falta-me a
Ovelhinha,
Que eu estimava mais, que as mais, que eu tinha,
Por

brincadora, esperta, e tão malhada,
Que parecia com pincel pintada.

Tinha-me tanto amor, que se eu gemia
Ella então nem brincava,
nem comia.
Mas se me via alegre, ou se eu cantava,
Ella ao meu
lado de prazer saltava.
Eu afflicta a busquei té junto ao Téjo;

Quando na margem o meu Ácis vejo.
Corre a ver-me, e no riso amor
explica;
Porém vendo-me afflicta, afflicto fica.
Pergunta-me a razão:
conto o successo,
E que procure a minha rez lhe pesso.
Elle me diz
então com vozes ternas,
Vozes, que esta alma ha de guardar eternas:

"Ah! Não chores, meu bem, minha alegria.
"Em cujos olhos brilha
a luz do dia!
"Se os encobres com pranto, e magoa enorme,
"Queres,
que o dia em noite se transforme?
"Fugio-te a tua Ovelha: eu ta
procuro;
"E por teus lindos olhos eu te juro,
"Que se ella viva está,
e eu souber della,
"Inda que arrisque a vida, hei de trazella;
"Mas se
baldado for o meu empenho,
"Das minhas escolhe huma, ou quantas
tenho,
E com tão terno amor me enchuga o rosto,
Que me leva
metade do desgosto.
Quiz partir, dava hum passo, então parava,

Como que em mim seu coração deixava:
Partio; e a cada passo.... (ó
que retiro!)
Voltava para mim, dava hum suspiro;
Que o coração
presago lhe dizia,
Que era a ultima vez, em que me via.
E bem se
verifica (oh Ceos! Conforto!)
Que não me ha de ver mais, porque he
já morto.
LAURINDO.
Ácis morto! Que dizes, Galatéa?
Isso he certo, ou te engana a falsa
idéa?
GALATÉA.
Eu te exponho a razão, em que me fundo.
Quem vio (oh Deoses)
scena igual no Mundo
Ácis partio: passárão-se dois dias,
Dias de
magoas, noites de agonias,

Em cada instante, que elle me tardava,

Mil desgraças a idéa me pintava.
Porém hoje no valle d'azinheira,

Junto á ponte da plácida ribeira,
Debaixo de hum cipreste levantado,


Cópia de mim, eu vigiava o gado;
Se bem que pouco vigiar podia,

Quem de chorar já quasi nada via.
Cançada de lutar com meu
tormento,
Meu unico, amargoso mantimento,
A affligida cabeça ao
tronco encosto,
E sobre a curva mão inclino o rosto.
O somno, que
ha dois dias meu não era,
Veio piedoso, que antes não viera!
Pois
me fez ver em sonho... Oh que desgraça!
A causa desta dor, que me
traspassa.
Eu vi... triste visão! Que além da serra,
Por hum dos
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