Galatéa | Page 4

António Joaquim de Carvalho
s?o patentes;?Pois o proprio delicto he, que o condemna,?A que segundo a culpa, sinta a pena.
LAURINDO.
Queres que a morte de ácis justifique?Huma céga paix?o, hum vil despique?
POLYFEMO.
Quero, porque da injúria se n?o gave,?Que o proprio sangue a sua culpa lave:?E se neste lugar já o apanhára,?O cora??o do peito lhe arrancára.
LAURINDO.
Dize: se a Galatéa perdoaste,?Depois que a culpa enorme lhe provaste,?O Pastor, que he talvez menos culpado,?Porque n?o he, como ella, perdoado?
POLYFEMO.
Ella sim: me offendeo; mas obrigada,?E merece perd?o por violentada;?Mas elle n?o he digno de clemencia,?Pois mais culpado está pela violencia.
LAURINDO.
Aqui n?o ha violencia, ha certa culpa,?Que Amor condemna, e logo Amor desculpa,?Delicto immensas vezes praticado?Por quem ama, e pertende ser amado.
POLYFEMO.
Assim se obra; mas sempre he falsidade,?Quando offende as leis santas d'amizade.
LAURINDO.
He máo quebrar a Lei; mas que te espanta,?Se ella te jurou fé, e a fé quebranta??Polyfemo, discorre mais prudente;?Vence-te a ti, se queres ser valente:?Eu teu amigo sou, eu sou mais velho,?Tu, que és mais mo?o, toma o meu conselho?No falso Amor n?o fa?as confian?a:?Desterra a ira, foge da vingan?a,?Que esta inquieta, aquella te amofina:?De qualquer dellas sempre vem ruina.?Males, que tu n?o queres supportallos,?N?o deves para os outros desejallos,?Que ás vezes s?o, qual pedra despedida,?Que no mesmo que a deita, abre a ferida:?Queres a morte de ácis? N?o ponderas,?Que póde em ti cahir, se nelle a esperas??Teme o Ceo vingador, teme-lhe a ira:?O Ceo, que a vida dá, só elle a tira:?Só elle sobre as vidas tem dominio,?E n?o deves opp?r-te ao seu designio;?Nem ao menos vingar-te levemente?Poderás, sem que fiques delinquente.?Olha, que para Jupiter Supremo?He menos, que hum mosquito, hum Polyfemo.?á voz só do seu raio penetrante?Treme de susto a rocha mais constante.?Foge, foge de o veres irritado,?E n?o fa?as, que a m?o levante irado.?Ah! Já, mudas de c?r, tremes, e pensas??Pois a ti mesmo, espero, te conven?as.
POLYFEMO.
Tremo de confus?o, e de mim tremo;?Os castigos do Ceo Respeito, e temo;?Mas o affecto, a paix?o, a honra, a offensa?N?o me deix?o ac??o, em que eu me ven?a:?Vejo a justa raz?o, quero seguilla;?Mas a paix?o vem logo a destruilla:?Que este meu cora??o nunca descan?a?De chamar-me ao caminho da vingan?a.
LAURINDO.
Qualquer paix?o, qualquer impaciencia?Se vence com discurso, e com prudencia.
POLYFEMO.
T?o desgra?ado sou, que neste empenho?Nem já discurso, nem prudencia tenho:?Quem vio t?o enredado labyrintho?Como este, que na idéa, e n'alma sinto!?Deoses, se justos sois, ou dai-me a morte,?Ou me livrai de confus?o t?o forte;?Eu se vingar-me vou, me precipito;?Porque aos Deoses offende o meu delicto:?Se assento em perdoar, n?o persevero,?Porque em vendo o offensor, logo me altero;?Porém hum novo meio já me occorre:?Melhor acerta, quem melhor discorre.?Eu n?o quero incitar ao Ceo clemente,?Mas para n?o vingar-me do insolente,?Eu fugirei de o ver, que ao vêllo, logo?A cinza quente exhalaria fogo.?Deixarei estes monte, estes prados,?Que a verdura me dav?o para os gados:?Irei viver nas mais occultas brenhas,?Onde gente n?o veja, mas só penhas:?Da vingan?a, e d'affronta assim me privo,?E ninguem sabe se sou morto ou vivo.
LAURINDO.
Resolves bem, amigo; sim, he justo?Fugires do perigo a todo o custo;?Porque busca a desgra?a todo aquelle,?Que vendo o damno, n?o se aparta delle:?Perca-se a Patria, perca-se a fazenda,?Perca-se tudo, e nunca o Ceo se offenda.?Tu sim perdes lavoiras, e o serrado;?Mas o Ceo, que esses bens te havia dado,?Te dará novos campos mais extensos,?Donde possas colher frutos immensos:?Quem perder pelo Ceo, fique esperando,?Que em vez da perda, ficará lucrando:?Se a tua cho?a perdes, caro amigo,?A minha he grande, vivirás comigo:?Para a tua lavoira dar-te-hei terra?Da campina, que tenho, além da serra;?Dar-te-hei duas palmeiras mui frondosas,?Donde colhas as tamaras gostosas:?Dar-te-hei duas formosas aveleiras,?Tortas sepas, vi?osas oliveiras:?E do mais fruto, que o Ceo der, pendente?Repartiremos ambos irm?mente.?Para o gado lá tens vi?osa relva,?Lá tens para o recreio a linda selva,?Onde acharás hum bosque mui sombrio,?De huma parte arvoredo, d'outra hum rio:?Alli se ouvem os pássaros cantando,?Alli se escuta o rio murmurando,?Nelle and?o de contínuo os pescadores,?Nelle pesc?o tambem alguns Pastores?O saboroso peixe á longa cana,?Ou com o iscado anzol, que mais o engana:?Em fim, he campo ameno, he deleitavel,?Fructuosa a terra, o clima saudavel:?Lá vivirás, amigo, descan?ado,?Sem ver a causa do mortal cuidado:?Pois naquella distancia por extensa?N?o vês o offensor, nem vês a offensa.
POLYFEMO.
Discreto amigo, amigo verdadeiro,?Tu fostes dos humanos o primeiro,?Que me soube vencer: eu que algum dia?Nem a raz?o, nem Deoses conhecia,?Hoje a raz?o abra?o, os Deoses temo;?Tu me fizeste hum novo Polyfemo.
LAURINDO.
Convence-te a raz?o, porque és humano,?Que a raz?o só n?o doma o bruto insano.
POLYFEMO.
Oh grande, oh raro exemplo d'amizade!?Oh cora??o, gerado de piedade!?Despido d'ambi??o, e d'avareza,?Só inclinado á mísera pobreza!?Deixa, que por mostrar-me agradecido,?A teus honrados pés chegue abatido;?E esta boca, por quem serás louvado,?Beije o ch?o duro, dos teus pés tocado.
LAURINDO.
Suspende, Polyfemo, eu n?o pertendo?A tua gratid?o, antes me offendo,?De a meus pés te prostares abatido,?Acatamento só ao Ceo devido.
POLYFEMO.
Oh quanto és digno de louvor completo,?Por liberal, humilde, e por
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