Galatéa | Page 3

António Joaquim de Carvalho
quem por ella perde a vida.?Oh qu?o feliz seria a minha sorte,?Se ella abrandasse aquelle genio forte!?Do desprezo, e d'affronta eu me esquecêra,?Se hum riso, se hum sinal de amor me déra.?Tudo, tudo por ella perderia:?Sem gado, sem choupana ficaria:?Sujeitar-me-hia pelos seus amores?A viver das esmolas dos Pastores:?Pois sem logralla, tudo me he penoso,?E logrando-a, sou pobre; mas ditoso.
LAURINDO.
Se amas com tanto extremo a huma traidora,?Que mais fizeras, se fiel te f?ra?
POLYFEMO.
Esta alma, que me anima, se pudesse,?Creio, que em paga d'esse amor lha désse,?Amando-te, era justo premialla;?Mas desprezando-te, he loucura amalla:?Sim, que o homem n?o mostra ser discreto?Amando a falsa, que tem outro objecto:?Pois daqui nasce a mancha da deshonra,?E antes se perca a vida, do que a honra.?Que se havia dizer na nossa Aldêa,?Se depois dessa ingrata Galatéa?Por outro te deixar, tu a buscasses,?Esquecido d'affronta inda a estimasses??E n?o tremias, n?o te envergonhavas?De dizerem, que a honra desprezavas??Ah! Querias do amor ser arrastado,?Perdendo a fama, e credito de honrado??Dize, responde, a falla n?o escondas;?Mas ou me vence, ou nada me respondas.
POLYFEMO.
Nada responderei por defender-me,?Pois por sábio chegaste a convencer-me:?Se a paix?o me cubrio de escuridade,?Tu me mostraste as luzes da verdade:?Agora já conhe?o, que essa ímpia?Mais féra, que o drag?o, que o monte cria,?Nem amor, nem piedade já merece,?Pois por outro me deixa; e assim se esquece?Da fé, que me jurou, e da lealdade,?Com que sempre a tratei; que a falsidade?N?o podia caber n'hum peito amante,?Que ainda offendido mostra ser constante.?Eu, que até ás Pastoras, quando as via,?Nem ainda, o Ceo vos guarde, lhes dizia:?E se acaso de longe as avistava,?Por lhes fugir, a estrada rodeava.?Tudo isto por fineza áquella infame,?Que, só t?o feio nome, he bem lhe chame;?Porque a saber, que ás outras eu fallava,?N?o julgasse, que alguma me agradava;?Porém que premio vim a tirar disto??Sabes o que? Com todos ser malquisto:?Desprezarem-me todos, ver-me agora?Aqui só, sem amigos, nem Pastora:?E a falsa, tanto extremo desprezando,?Amar outro, e ficar de mim zombando!?E soffro tal injúria sem vingar-me!?Poderei socegar sem despicar-me!?N?o, n?o socegarei, que hum peito irado?Socega só depois de estar vingado.?Sim, vou já despicar-me... Mas que intento!?Que fa?o! Aonde vou! Que pensamento?He este, que me occorre! Oh quanto errado?Gyra o discurso de paix?o cercado!?Eu matar Galatéa! Oh que vileza!?Naquella rara imagem da belleza?Descarregar o golpe penetrante!?E havi?o ver meus olhos nesse istante?Aquelle brando peito traspassado!?O rosto, bem qual Sol quando eclipsado!?E os olhos, que daquelle Sol s?o raios,?Perdendo a luz na sombra dos desmaios!?Aquellas lindas faces t?o córadas?Eu poderia vellas desmaiadas!?A boca rubicunda, e graciosa,?Bem qual entre jasmins a linda rosa,?Eu teria valor, teria vida,?Para vella sem gra?a amortecida!?E havi?o escutar-lhe os meus ouvidos?O pranto, os ais, e os ultimos gemidos:?Já com trémola voz, e a cada instante?Vella convulsa, afflicta, e delirante,?Sem alento, sem c?r desfalecida,?Dando hum suspiro, e acabando a vida!?Oh Ceos! Que horror concebo em ponderallo!?Eu tremo, gélo-me, e de dor estallo:?Que cora??o t?o barbaro haveria,?Que obrasse t?o enorme tyrannia??Eu teria valor, se a offendesse,?Para vella morrer, sem que eu moresse??N?o, n?o teria tanta impiedade,?Que vendo cahir morta hume Deidade,?N?o me sahisse deste insano peito??O duro cora??o de dor desfeito.?Nem mais contemplar quero tal desgra?a,?Que parece, que o Ceo já me amea?a,?Que a terra vejo abrir, que já comigo?Se abate, e me confunde por castigo.?Ah! Minha Galatéa, vive embora,?Bem que me sejas infiel, traidora:?Ainda te amo, se bem, que o n?o mere?as;?Eu pade?a, mas sem que tu pade?as:?Vive feliz, e logra o teu amante:?Oh justos Ceos, que dor t?o penetrante!?Mal posso respirar, que até o alento?Me soffoca a violencia do tormento.?Vai-te, amigo, e me deixa só hum pouco,?Que eu n?o estou em mim, eu estou louco:?Oh! Venha embora a morte rigorosa?Acabar-me esta vida t?o penosa.
LAURINDO.
Deixa, amigo, esse louco desvario,?Que o ser de homem deslustra, offende o brio:?E que o mundo dissesse pertendias,?Que por huma mulher enlouquecias?
POLYFEMO.
Tambem dirá, que n?o me altéra a offensa,?Pois toléro a inimiga na presen?a.
LAURINDO.
Perdoando-lhe tu por generoso,?Que ha de o Mundo dizer? Que és virtuoso.?Mas se a fraca mulher ímpio punias,?Só de cubarde o nome vil terias.
POLYFEMO.
Sim, perdoada está: eu lhe perdoo,?Pois da sua fraqueza me condoo;?Tambem, porque talvez seja innocente,?Se bem que a culpa a accuse delinquente;?Galatéa he honesta, he recatada:?Pois quem duvida fosse requestada?D'aquelle ácis traidor, e que a enganasse?Com v?s promessas, para que o amasse?
LAURINDO.
Pensas bem que a mulher de honesto estado,?Se dá seu cora??o, sempre he rogado;?Se bem que o rogo algumas n?o convence;?Mas a feia ambi??o a muitas vence.
POLYFEMO.
Sim? Pois hoje verás, que a minha ira?Só contra aquelle infame se conspira:?Elle, por me arrancar de amor a palma,?Me roubou a doce alma da minha alma,?Vista dos olhos meus, bem como estrella,?Que luz me dava, para poder vêlla.?Clara luz, doce vida, alma preciosa,?Tudo perdi. Oh scena lastimosa!?Tudo o vil me roubou; porém protesto?Fazer o seu castigo manifesto?Ao Ceo, á terra, a todos os viventes:?Elle me offende, as culpas
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