discreto!?Aprenda o avarento ambicioso?A ser mais liberal, mais caridoso:?O que da santa, e mísera pobreza?Foge, como quem foge da vileza,?Veja, que o rico, o paderoso, o nobre?Talvez, chegue a pedir esmola ao pobre:?Esse, que as minas abre, e colhe o ouro,?Julgando a vida ter no seu thesouro,?Veja, que a vida, e ouro n'hum momento?He como o fumo, que consome o vento:?Siga os teus passos o soberbo inchado,?Que julga, que a ventura tem ao lado:?Olhe, que a seca o grosso rio esgota,?E até com vento o cedro se derrota.?Longe, longe de nós, ó vicio forte,?Vicio mais feio, do que a feia morte.
LAURINDO.
N?o ter?o parte em nós vicios danados,?Nem pizará? a flor dos nossos prados;?Que esta l?, que nos cobre, esta pobreza?Contra o vicio nos serve de defeza.?Vamos gozar a santa paz ditosa,?Vamos colher a fruta saborosa?Da minha bella Aldêa: vem, amigo,?Que eu n?o me ausento, sem que vás comigo.
POLYFEMO.
Vamos; mas ah Laurindo, quem diria,?Que por huma mulher, por'huma ímpia?Eu havia deixar a minha Aldêa,?E ir d'esmolas viver na terra alheia??Oh triste Polyfemo! Oh desgra?ado!?De ti deves queixar-te, e n?o do fado:?Em mil exemplos o perigo viste,?Devias fugir delle, n?o fugiste??Pois agora o teu erro irás pagando,?E o damno sem remedio lamentando.?Tome exemplo de mim, o que ama cégo,?Julgando ter no amor todo o socego,?Veja a minha desgra?a, e tema o dano,?Que sempre nasce deste amor profano:?N?o prenda a doce, amavel liberdade,?Já que o Ceo lhe quiz dar livre a vontade:?Fuja do amor, e guarde esta doutrina,?Se quizer viver longe da ruina.?Mas ah! Nem já do amor quero lembrar-me,?Que he facil outra vez precipitar-me.?Adeus, ó campos meus, campos amados,?Que me daveis o fruto, e pasto aos gados:?Já n?o hei de ferir vossos ouvidos,?Nem já respondereis aos meus gemidos.?Adeus, ó rio meu, que me obrigavas,?Quando ao meu gado tuas aguas davas;?Mas pago ficas, que essa grossa enchente?A augmenta de meus olhos a corrente.?Adeos, plácida fonte, onde algum dia?Se alegre rias, eu alegre ria;?No prazer te imitei; mas hoje afflicto?Só no pranto, que verto, he que te imito.?Lembra-te, ó fonte, que a cruel Pastora,?Essa, que sem raz?o me foi traidora,?Por ti jurou, que essa agua lhe faltasse,?Se ella de amor a pura se manchasse:?Agora deves, pois faltou perjura,?Por castigo negar-lhe essa agua pura:?Como ella contra si justi?a pede,?Ou procure agua longe, ou morta á sede;?Mas ah! Que digo! He muita crueldade:?N?o, n?o lhe negues agua por piedade,?Tem della compaix?o, dá-lhe desculpa,?Basta só, que a castigue a propria culpa.?Adeos, ó prado ameno, as flores bellas?Eu te roubei para tecer capellas:?Perdoa-me, e talvez que inda melhores,?Que á custa do meu mal terás mais flores:?E apague a minha culpa, que te aggrava?Este pranto, que humilde os pés te lava.?Adeos, Pastores, doces companhias?Dos meus passados, e felices dias;?Porém dias t?o breves, quanto he breve?No Irverno a calma, no Ver?o a neve:?Se o meu canto aprendestes algum dia,?No tempo da ventura, e d'alegria?Hoje do meu desgosto, e do meu damno?Podeis lucrar mais util desengano,?Vendo, por breve ser minha ventura,?Quanto a glotia do mundo pouco dura:?Que apenas nos faz ver hum falso gosto,?Logo atrás delle vem maior desgosto.?Adeos, ó Galatéa; mas que digo!?Cuidei, que tinhas inda o nome antigo;?Mas n?o deves ter já nome de humana,?Sendo Le?o feroz, vibora insana:?Fica-te embora em paz, e só te pe?o?De mim t'esque?as, que eu de ti m'esque?o:?Sim, farei, que n?o tornes a lembrar-me?Para querer-te, nem para vingar-me:?E poderemos só ficar lembrados?Do exemplo, com que fomos doutrinados:?Mas vê, quanto differem as doutrinas,?A que eu te dei, daquella, que me ensinas:?Eu te ensinei a ser fiel, constante,?Tu me ensinaste a ser falso, inconstante;?Mas nunca me seguiste a lealdade,?Nem eu soube seguir-te a falsidade;?Porém essa doutrina; inda que inutil,?Estimo-a, porque em parte me foi util:?Se até aqui das Pastoras n?o fugia,?Porque a sua trai??o n?o conhecia,?Já della fugirei desenganado,?Como quem foge do animal damnado.?Longe, longe de mim, ímpias tyrannas,?Ide viver com féras deshumanas:?Em fim, parto a morrer: Adeos, Pastora,?Adeos, ímpia: Adeos, falsa: Adeos, traidora.
SONETO.
Novo exemplo aqui tens, mísero humano,?Que incensas os Altares da vaidade,?Aqui te mostro a estrada da verdade,?Por onde ao Templo vás do desengano:
De Polyfemo o lamentavel damno,?De Galatéa a horrenda falsidade?Te excitem a fugir da crueldade,?Que he premio certo desse amor tyranno!
Elle consome os bens, a honra offende,?O socego perturba, arrisca a vida,?E o cora??o mais livre assalta, e rende.
Ah! Destróe essa m?o féra, humicida,?Rompe os duros grilh?es, com que te prende,?Quebra-lhe as setas, ficará vencida.
GALATéA
EGLOGA.
SEGUNDA PARTE.
DO MESMO AUTHOR.
INTERLOCULORES.
GALATéA, LAURINDO, E áCIS.
GALATéA.
EGLOGA.
A bella, incomparavel Galatéa,?A Nynfa, tutelar, gloria d'Aldêa?O seu ácis perdido busca afflicta:?Corre, examina, geme, chora, e grita:?"ácis! ácis! Meu bem! Onde te escondes??"Eu rouca de chamar-te, e n?o respondes??"Se nas margens do rio por ti clamo;?"Mais foge o rio, quanto mais te chamo.?"Se á fonte vou teu nome repetindo,?"Ella vai murmurando, e vai-se rindo.?"Só este monte de me ouvir magoado,?"Se eu te chamo, elle chama, e tu calado!?"Ah meu ácis! meu
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