ferir, até de
manhã; o quinteiro foi dar com elle n'esta difficil posição,
reprehendeu-o vivamente, e despediu-o sem divulgar o caso para o não
deshonrar.
Mas o homem ficou com odio ao cão, e muito tempo depois,
aproveitando a ausencia do quinteiro e de seus filhos, chamou o Piloto,
que correu para elle sem desconfiança; atou-lhe uma corda ao pescoço
e arrastou-o até á margem do ribeiro.
Atou uma grande pedra á outra extremidade da corda e levantando o
animal atirou-o á agua; mas arrastado elle proprio com o peso e com o
esforço, caiu tambem.
Como não sabia nadar, teria sido despedaçado pela roda do moinho, se
o corajoso Piloto, obedecendo ao seu instincto de salvador e
desembaraçando-se da pedra mal atada, não tivesse mergulhado duas
vezes e trazido para terra o seu mortal inimigo.
Este, que estava quasi desmaiado, comprehendeu quando voltou a si,
que o cão que elle tinha querido afogar, lhe salvára a vida.
Teve vergonha de seu acto miseravel; e desde esse dia, violentou-se a si
mesmo e combateu as suas más inclinações.
O exemplo do cão corrigiu o homem.
*O rico e o pobre*
Martinho era um rapazito, que ganhava a sua vida a fazer recados; um
dia, voltando d'uma aldeia muito distante da sua, achou-se cansado e
deitou-se de baixo d'uma arvore, á porta d'uma estalagem, junto da
estrada. Estava comendo um bocado de pão que tinha trazido para
jantar, quando chegou uma bella carroagem em que vinha um
fidalguinho, com o seu preceptor. O estalajadeiro correu
immediatamente e perguntou aos viajantes se queriam apear-se, mas
responderam-lhe que não tinham tempo, e pediram-lhe que lhes
trouxesse um frango assado e uma garrafa de vinho.
Martinho estava pasmado a olhar para elles; olhou depois para a sua
codea de pão, para a sua velha jaqueta, para o seu chapeo todo roto, e
suspirando exclamou baixinho: Oh! se eu fosse aquelle menino tão rico,
em vez do desgraçado Martinho! que fortuna se elle estivesse aqui, e eu
dentro d'aquella carruagem!» O preceptor ouviu casualmente o que
dizia Martinho e repetiu-o ao seu alumno, que, lançando a cabeça fóra
da carruagem, chamou Martinho com a mão.
--Ficarias muito contente, não é verdade, meu rapaz, podendo trocar a
minha sorte pela tua?»--Peço que me desculpe senhor, replicou
Martinho córando, o que eu disse não foi por mal.»--Não estou zangado
comtigo, replicou o fidalguinho, pelo contrario, desejo fazer a troca.»
--Oh! está a divertir-se comigo! tornou Martinho, ninguem quereria
estar no meu lugar, quanto mais um bello e rico menino como o senhor.
Ando muitas leguas por dia, como pão secco e batatas, emquanto que o
senhor anda n'uma carruagem, póde comer frangos e beber
vinho.»--Pois bem, volveu o fidalguinho, se me queres dar tudo aquillo
que tens e que eu não tenho, dou-te em troca de boa vontade tudo o que
possuo.» Martinho ficou com os olhos espantados, sem saber o que
havia de dizer; mas o preceptor continuou: «Acceitas a troca?»--Ora
essa! exclamou Martinho, ainda m'o pergunta! Oh! como toda a gente
d'aldeia vae ficar assombrada de me ver entrar n'esta bella carruagem!»
E Martinho desatou a rir com a idéa da entrada triumphante na sua
aldeia.
O fidalguinho chamou os criados, que abriram a portinhola e o
ajudaram a descer. Mas qual foi a surpreza de Martinho, vendo que elle
tinha uma perna de pau e que a outra era tão fraca, que se via obrigado
a andar em duas muletas: depois, olhando para elle de mais perto,
Martinho observou que era muito pallido e que tinha cara de doente.
Sorriu para o rapazito com ar benevolo, e disse-lhe:--Então sempre
desejas trocar? Querias porventura, se podesses, deixar as tuas pernas
valentes e as tuas faces córadas, pelo prazer de ter uma carruagem e
andar bem vestido?»--Oh! não, por coisa nenhuma! replicou
Martinho.--«Eu, disse o fidalguinho, de boa vontade seria pobre, se
tivesse saude. Mas, como Deus quiz que fosse aleijado e doente, soffro
os meus males com paciencia e faço por ser alegre, dando graças a
Deus pelos bens que me concedeu na sua infinita misericordia.
«Faze o mesmo, meu amiguinho, e lembra-te que, se és pobre e comes
mal, tens força e saude, coisas que valem mais que uma carroagem, e
que não podem comprar-se com dinheiro.
*Como um camponez aprendeu o Padre Nosso*
Tinha o coração duro, e não dava esmolas. Foi-se confessar uma vez, e
o confessor deu-lhe por penitencia resar sete vezes o Padre Nosso.
«Não o sei, e nunca o pude aprender, respondeu o aldeão.»
«Pois n'esse caso, tornou o confessor, imponho-te por penitencia dar a
credito um alqueire de trigo a todas as pessoas que t'o forem pedir da
minha parte.»
No dia seguinte de manhã apresentou-se o primeiro pobre.
«Como te chamas? perguntou-lhe o camponez.
«Padre--Nosso--Que--Estaes--No--Ceo, respondeu o
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