Contos dAldeia | Page 4

Alberto Braga
��?--perguntava a mais velha por entre dentes.
--Agora j�� se n?o usa cuia! Ora repare.
A morgada falava do amanho das terras, do pezo da derrama, e ��s vezes para variar, dizia:
--Ora n?o estar c�� pelo Santo Amaro! Havia de gostar. �� uma festa como poucas! Fa?a ideia, viscondessa: ha arraial tres d��as, ha fogo preso, missa cantada, serm?o...
E arregalando os olhos, e meneando pausadamente a cabe?a, exclamava:
--Serm?o! mas que serm?o!...
Quando chegava a vez da minha visita, j�� a sr.^a viscondessa sabia todas as grandes novidades da terra. Era assim castigada a minha pregui?a!
--Ent?o j�� sabe--principiava eu--o commendador Antunes este anno despica-se!
--Ah! j�� me disseram--atalhava logo a viscondessa--�� elle o juiz da festa.
--�� isso, minha senhora, �� isso...
V��em? Sabia sempre tudo aquillo que eu tinha para lhe dizer!
Ora succedeu, que de uma vez, indo l�� passar a noite, encontrei a viscondessa sentada n'uma voltaire, com a cabe?a reclinada no espaldar, as pernas estendidas e os seus p��s graciosos poisados no rebordo de um brazeiro.
--V. ex.^a contradiz as tradi??es da primavera!--principiei eu, sentando-me ao seu lado.
--N?o contradigo, meu caro--respondeu ella, removendo com a p�� o rescaldo esmorecido--a primavera �� que est�� agora conspirando contra os poetas, que lhe attribuem do?uras que n?o tem! Se o kalendario me n?o desmentisse, estava em jurar que o janeiro d'este anno augmentou, pelo menos, mais sessenta dias!
--Mas n?o est�� tanto frio, que se n?o prescinda do fog?o!
--N?o est�� calor que o dispense.
--Pois n?o �� das melhores coisas para a saude!
--Ora que ideia!--oppoz ella, a rir--N?o me consta que o fog?o tenha sido o assassino de ninguem, tirante nos velhos dramas, em que a heroina ludibriada pelo amante, procurava no acido carbonico a solu??o do problema.
Supponham como eu fiquei radiante de jubilo! At�� que se me deparava ensejo de contar �� sr.^a viscondessa uma historia que ella desconhecia!
--Pois, minha senhora,--principiei eu com desvanecida firmeza--Filippe III, de Hespanha, foi victima do cal?r d'um fog?o! E, se v. ex.^a me permitte, eu vou referir-lhe como o caso se passou.
Approximei a minha cadeira do brazeiro, expuz os meus p��s ao calor do rescaldo, para contradizer com a postura o que affirmava com a palavra, e prosegui:
Estava el-rei, assistindo a um conselho de ministros. Como fazia muito frio, diante de Sua Magestade tinham collocado um brazero enorme. Passado pouco tempo, principiou el-rei a transpirar, a transpirar cada vez mais e as faces a tornarem-se-lhe? muito vermelhas. O conde de Pobar, que viu no rosto de Sua Magestade a afflic??o que elle sentia, dirigiu-se ao duque d'Alba, gentil-homem, e disse-lhe baixo que mandasse retirar o brazero.
--�� contra a etiqueta--respondeu serenamente o duque d'Alba.--Isso compete ao duque d'Uzeda.
--Filippe III voltava para o lado os olhos supplicantes; mas n?o se atrevia a quebrar as regras da etiqueta atirando um ponta-p�� ao brazero e aos cortez?os que o cercavam.
Mandou-se chamar �� pressa o duque d'Uzeda; mas, por fatalidade, o duque d'Uzeda n'esse dia n?o estava no palacio!
--E depois?--perguntou afflicta a sr.^a viscondessa, afastando-se do brazeiro.
--Depois--continuei eu pausadamente estirando mais as pernas--quando o duque d'Uzeda chegou ao palacio...
--Hein?--perguntou de subito a fidalga, pondo-se de p��.
--El-rei estava morto!--conclui eu com voz sinistra.
Apenas proferi esta phrase, abriu-se de repente a porta e entrou na sala o criado com a bandeja do ch��.
A sr.^a viscondessa ordenou logo:
--Andr��, amanh? n?o accenda o brazeiro.
E eu, offerecendo-lhe uma chavena, disse-lhe ent?o baixinho:
--J�� v�� que se devem apagar os fog?es, quando voltam as andorinhas!

A S��STA DO AV?
Ha quatro dias, vejo todas as tardes, quando chego �� janella, o meu visinho a passeiar em frente da casa, amparado ao bra?o da n��tinha.
O av? �� j�� muito velho, muito velho, com a face coberta de rugas, os olhos pequenos, as m?os encarquilhadas, as pernas tremulas, e a dobrarem-se nos joelhos. E a neta, que se chama Izaura, e �� linda como os am?res, tem doze annos, os cabellos loiros, como fios de ouro, e os olhos muito azues, como duas saphiras.
Elle chama-se Macario; mas eu, quando lhe falo, dou �� minha voz um tom marcial e digo-lhe alto ao ouvido:
--Como vae o nosso bravo capit?o? Como passa o meu valente capit?o?
E ent?o, na visinhan?a �� mais conhecido pelo capit?o Feroz, que foi a alcunha que lhe ficou, por ter sido um militar valente e corajoso como poucos!
Quando os francezes vieram a Portugal...--Ai!--disse-me elle um dia, referindo-me as fa?anhas da guerra--quem me cassara n'aquelle tempo! Eu tinha ent?o desoito annos, umas pernas rijas, o ?lho fino!... Olhe, s�� d'uma vez me falhou a pontaria. Eu lhe conto. No convento de Santa Clara, de Thomar, estava recolhida uma menina, de que eu gostava muito e com a qual depois casei. Um official francez, passando-lhe debaixo da grade, disse-lhe um galanteio, e piscou-lhe o ?lho direito. Ora eu, que estava ao longe a observar tudo, disse commigo: espera, que j�� t'arranjo. E metti a espingarda �� cara, fiz pontaria
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