Contos dAldeia | Page 3

Alberto Braga
mestre, deixe-o ficar.
Imagine-se quanto custaria aquillo a um trolha, a um trolha que guarda sempre contra um passarinho o mesmo odio que um velho lobo de mar conserva implacavel contra um rato! Ter de remendar um telhado inteiro--fa?am ideia!--sem destruir um ninho f?fo, pendurado n'um beiral!
Como eu habitava s��, aquelle ninho, ali, era quasi como um outro andar da casa, onde vinha passar o ver?o uma familia minha conhecida. E eu tinha tanto zelo e canceira em conserval-o no mesmo sitio, muito arranjado e prompto, como se fosse o caseiro d'aquelles alegres inquilinos!
As pessoas da cidade n?o d?o valor nenhum a estas coisas, e at�� se riem d'ellas; mas n��s, os que vivemos na aldeia, temos um grande affecto pelas andorinhas, pelos melros, pelas toutinegras, pelos pintasilgos, pelos rouxinoes, emfim, por toda a passarada.
Os pardaes, esses ent?o, �� que n?o gostam nada dos figur?es da cidade. E a gente do campo, que lhes conhece o fraco, assim que elles espreitam cubi?osos as searas, d'entre os ramos folhudos dos carvalhos, dizem logo:
--Esperae, que j�� vos arranjo.
E espetam no meio do campo um pinheiro muito alto, penduram-lhe uma vestia e p?em-lhe por cima, d'um modo arrogante, um pouco para o lado, como se aquillo fosse um grande janota--um enorme chapeo alto! Oh! fica admiravel!
Poucos pardaes, por mais audaciosos que sejam, se atrevem com o figur?o.
E a gente, vendo-os, �� tardinha, todos a chilrear na copa frondente do arvoredo, at�� parece que os ouve dizer:
--Ainda l�� est�� o espantalho?
--E estar��, compadre, e estar��!
--Se ainda se conservar at�� ��manh?--accode o mais atrevido--diabos me levem, se lhe n?o prego uma pe?a!
--Sempre queriamos v��r isso!--desafiam os outros.
--Pois ent?o...
No dia seguinte, quando o sol radiante innundava todo o trigal, ��s onze horas da manh?, estava tudo a postos, tudo silencioso, para v��r a partida.
O arrojado observou attentamente pelos atalhos--que n?o fosse vir a rapaziada da escola--e voou rapido d'entre um sobreiro, como se o tivesse desferido o arco d'uma setta. Foi poisar direito na copa do chap��o alto do espantalho, e voltou-se depois para os amigos, a chilrear com uma grande tro?a.
Por toda a deveza estalou ent?o uma gargalhada frenetica dos outros, que observavam, cheios de alegria, a immobilidade do janota!
D'ahi por meia hora--�� sabido!--estava a sementeira desvastada!
Uma bella manh?, em meado de mar?o, quando abri a janella do meu quarto, ouvi pipilar em cima. Debrucei-me no peitoril, olhei para o beiral, e l�� vi a andorinha, que tinha chegado na vespera, �� bocca da noite, emquanto eu andava por f��ra.
--Bem!--disse eu comigo--j�� sei que tenho d'ir fazer uma visita.
Ao cabo de meia hora, peguei no meu bord?o, e puz-me a caminho pelo meio de uma bou?a, que ia dar �� estrada.
Eu ia visitar a sr.^a viscondessa, uma gentil viscondessa minha amiga, que chegava sempre quando chegavam as andorinhas e floresciam as amendoeiras.
Ao atravessar o pateo lageado, que precedia o velho sollar da fidalga, estavam ainda os criados, vestidos com blusas de riscadinho azul, atarefados na limpeza da carruagem e dos cavallos. As janellas da casa estavam todas abertas. Sentia-se que havia l�� dentro uma creatura delicada, sequiosa dos perfumes balsamicos dos pinheiraes, do ar puro, da luz, como aquellas plantas aquaticas, as nympheas, que sobem do fundo escuro dos lagos �� t?na d'agua para receber os raios quentes do sol do meio dia!
Apenas entrei no pateo, deparou-se-me a sr.^a viscondessa; e era mesmo uma pintura vel-a, como eu a vi ent?o, com a cabe?a lan?ada para traz, os bra?os muito erguidos, os seios afflantes, a aprumar-se, a subir, fincada no bico dos p��s, para lan?ar o pain?o na gaiolla doirada d'um canario, que estava pendurada, em cima, entre os cortinados da janella!
Era lindo! lindo!
Quem primeiro apparecia a cumprimentar a fidalga era o sr. abbade. E, ent?o, conhecia-se logo que havia novidade na terra, porque o viam sair da residencia todo aceiado, de chap��o alto, cabe??o de renda, a sua antiga sobrecasaca muito comprida a bater-lhe no canno das botas, e apanhado na m?o direita, d'um modo solemne, o enorme len?o de s��da da India com ramalho?as amarellas.
Feitos os cumprimentos do estylo, o sr. abbade sacava da algibeira a sua caixa de tartaruga, e offerecia-a respeitosamente �� viscondessa, como signal da maxima etiqueta.
E depois, ia falando e cheirando alternadamente.
--Pois minha senhora...
E fungava pela venta esquerda uma pitada de simonte, continuando:
--Este anno, o inverno, minha senhora, correu mal! E Jesus! muito mal!
Depois, ao outro dia, vinha a sr.^a morgada do areial flanqueada das suas duas filhas. Aquillo �� que era luxo! chap��os de plumas, vestidos de nobreza com tres folhos, mantelletes de moir antique, e ent?o o bonito era a profus?o de pulseiras, de broches, de brincos, tudo oiro antigo, oiro de lei, massi?o, mas muito feio!
As meninas n?o tiravam os olhos da viscondessa; e, como ficavam uma junto da outra, acotovelavam-se ��s vezes, e segredavam:
--V��, mana?...
--O que
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