Contos dAldeia | Page 5

Alberto Braga
para o ?lho direito do francez, e...
--E?
--E, truz! metti-lhe a bala no ?lho esquerdo! Errei d'essa vez!
E ainda lhe fulguravam os olhos e o rosto se lhe illuminava, quando contava d'estas coisas.
Depois proseguiu:
--A final, chegou-me a vez de ser vencido! Eu, que nunca tremi na guerra, a primeira vez que falei �� minha santa, que Deus tenha, dei em tremer como varas verdes! Mas aquillo sim! Era formosa d'uma vez! O senhor v�� a minha filha! �� a cara da m?e.
O capit?o n?o se enganava. A filha era realmente formosa; mas duma formosura, que �� menos dos contornos do rosto, do que da gra?a interior da alma.
Havia um anno que era viuva d'um industrial trabalhador, honesto e intelligente. Fic��ra a viver na companhia do pae e com dois filhos:--a Izaura, e o mais pequenino, o Abel, que tinha pouco mais d'um anno e uma cabecinha loira de cherubim.
Que santa vida a d'aquella familia obscura!
A viuva repartia pelos tres todo o generoso affecto do seu cora??o; e, at��, como o pae era t?o velhinho, quasi que j�� carecia dos cuidados d'uma crean?a. Que os bons velhos, coitadinhos! s?o faceis de contentar! Basta-lhes uma restea de sol, uns carinhos de filha e umas historias da neta!
Quando perguntei ao Macario, porque passeiava depois do jantar, respondeu-me:
--O somno �� bom para a noite. Quando durmo depois de jantar, tenho sonhos maus.
E, beijando a cabe?a de Izaura, accrescentou:
--Quero antes passeiar com a minha neta, que me conta historias muito lindas.
E continuaram os dois, o velho pelo bra?o de Izaura, arrastando vagarosamente os p��s nas lagens do passeio.
* * * * *
Depois do jantar, o velho arrastava-se at�� �� poltrona, que tinha ao canto da janella; e, bem refastellado, com os p��s estendidos, as m?os cruzadas sobre o ventre e a cabe?a encostada no espaldar, dormia patriarchalmente a boa sonata da s��sta.
De uma vez, era em julho, e, ��s duas horas da tarde, fazia um calor insupportavel. At�� parece que a natureza tambem dormia a s��sta! L�� f��ra, no quinteiro, as folhas das arvores pendiam desfallecidas. Ouvia-se o murmurio monotono da bica d'agua a cahir, como uma lagrima, sobre uma pia de pedra, debaixo d'uma latada. As portas das janellas estavam entre-abertas para deixar entrar na sala uma fita de sol, que se estendia aos p��s do velhinho, como uma esteira de luz.
No outro canto da sala, a filha do capit?o, sentada n'uma cadeirinha de pau, pospontava uma camisa de crean?a, mas t?o pequenina, que parecia uma camisa de boneca! Ouviam-se at�� uns pequenos estalidos secos da agulha, atravessando a gomma do morim novo e em folha. O Abel!... Era um regalo vel-o sentado no ch?o, em camisa, com as pernas roli?as �� mostra, um ventre redondinho de abbade feliz, e os p��sinhos c?r de rosa!
Aos p��s do av?, na restea do sol, tremia a sombra d'umas folhas do platano do jardim. A crean?a engatinhou para l��. Como uma pequenina f��ra, atirando-se de golpe sobre a presa, o Abel lan?ou-se rapidamente sobre a sombra tremula das folhas; mas--que ludibrio!--ficou triste, espantado, com os olhos muito abertos, a contemplar a palma da m?o vasia!
Ao lado estavam os grandes p��s do av?, mettidos nos dois grandes chinellos de tapete. Oh! eram duas colinas! E as pernas? As pernas pareciam dois enormes castellos roqueiros.
No espirito bellicoso da crean?a surgiu a ideia terrivel de os assaltar. Fincou as m?ositas nos chinellos do av?, levantou-se valentemente nos p��s, e upa! upa! arriba!
N'essa occasi?o o velho sonhava:
Tinha remo?ado cincoenta annos! Os francezes invadiam Portugal! Quando elle estava na tenda de campanha, a dormir no dia seguinte ao de uma batalha, viu entrar inesperadamente o exercito de Bonaparte. As paredes de l?na da tenda iam recuando, recuando, para dar entrada ��s hostes immensas do inimigo. Os esquadr?es insoffridos da cavallaria corriam sobre elle. Em volta da tenda levantou-se rapidamente--como nas magicas do theatro!--uma bateria, com as boccas dos canh?es apontadas para o leito. Os piquetes de infanteria corriam a marche-marche, de bayonetas caladas, para o surprehenderem no somno. Ao fundo, no viso de um outeiro, Bonaparte, o terrivel Bonaparte, com as suas botas de escudeiro e o seu chapeu de bicos posto de travez, como o chapeu de um estudante de Salamanca, assestava sobre elle o oculo de alcance, sorrindo alegremente da victoria!
O capit?o Macario via tudo aquillo, ouvia o estrepito dos cavallos, o tropido da infanteria, as gargalhadas de Bonaparte, e sentia-se preso ao leito, impotente, inerme, anciado, sem poder gritar!... Fa?am ideia!
De repente, todo aquelle exercito enorme se transformou n'um gigante, que lhe prendeu brutalmente as pernas com dois grilh?es de ferro!
O capit?o esfor?ou-se ainda por se levantar; mas conseguiu, apenas, depois de muito custo, soltar este brado afflictivo, com uma voz convulsa:
--��s armas!
E despertou, ouvindo as gargalhadas de... Bonaparte!
O velho abriu desmesuradamente os olhos, volveu-os espantado em torno de si;
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