Contos dAldeia | Page 8

Alberto Braga
e poisou a mão sobre o testo. O gallo não cantou.
Foi o numero 2, foi o numero 3 e chegou até ao numero 4.
Antes de chegar a vez ao numero 5, todos os olhares convergiram para
um canto da aula, d'onde partiam uns soluços afflictivos.

--Quem chora ahi?--perguntou o abbade.
Ergueu-se o Eusebio da Entrevada.
Era um pequenino de oito annos, muito pobresinho, com um palmito de
cara que estava mesmo a pedir pão.
Era um cinco reis de gente, o Eusebio.
--É o da Emprégada--explicou o do Moleiro.
--Anda cá, menino--chamou o abbade--anda cá. Tu porque choras?
O pequeno aproximou-se para justificar as suas lagrimas, mostrou ao
reitor os dois lapis roubados.
--Ah! foste tu, Eusebio?!
E Jesus! O pequeno chorava que era um dó do coração! E nem podia
responder; apenas acenava.
--Então foste tu. E, olha, para que os tiraste?
--É que o sr. mestre--balbuciou o criminoso--disse-me que trouxesse eu
um lapis, e eu não quiz pedir o dinheiro á minha mãe, que está
emprégadinha na cama, e nem tem dinheiro para o caldo. E depois com
medo de que o sr. mestre me batesse...
--Pegaste n'um lapis. Foi assim?--concluiu o parocho.
--Foi, sim, senhor.
--Mas tu tiraste dois!
O pequeno desatou a chorar.
--Para que tiraste dois?--insistia o padre.
--Era--explicou o Eusebio--para quando se acabasse um!...

O mestre estava já de palmatoria prompta.
O Eusebio estendeu resignado a mãosinha trémula.
--Basta--terminou o abbade.--Eu prometti que se perdoava a quem
confessasse. Para outra vez, querendo alguma coisa, vae-me pedir,
ouviste? Que eu não tenho tempo de saber o que vos falta. Ora vae para
o teu logar, e promette que não tornas a fazer outra.
O mestre Joaquim sentiu muito não applicar o correctivo.
--Deixe lá, sr. Joaquim--dizia-lhe o abbade.--É preciso muita
misericordia para tratar as creanças. Lembre-se do que dizia Jesus:
Sinite parvulos venire ad me.
O mestre, que não sabia latim, mas que diante do curso quiz occultar a
ignorancia, respondeu a sorrir com ares de quem percebia:
--Et cum spiritu tuo!

ESTÁ NO CÉO!
Um sargento de atiradores, que, desde a madrugada, tinha percorrido
oito leguas, a pé, sem descançar, entrou n'uma taberna que ficava á
beira da estrada, e perguntou se era por ali que morava Maria La
Courdaye.
O taberneiro descobriu-se respeitosamente deante do soldado, e, saindo
á porta, estendeu o braço, e indicou-lhe:
--É ali, do lado direito. Abra uma cancella e entre.
--Obrigado! Boa noite--agradeceu o militar. E dirigiu-se
apressadamente para lá.
* * * * *

No muro da estrada havia uma cancella de pau; e aberta a cancella,
atravessando-se por um caminho assombreado de algumas arvores
frondentes, via-se ao fundo a modesta casinha branca, escondida entre a
verde ramaria de uns carvalhos.
Tinha ao lado uma leirita plantada de horta; e, á sombra de um choupo,
mais no fundo, uma pia de pedra, onde murmurava uma veia de agua
muito crystalina. Do esgalho de uma arvore prendia-se ao tronco de
outra uma corda, estendidas na qual alvejavam, expostas á luz
perpendicular do sol do meio-dia, umas roupinhas brancas de creança.
No cunhal da casa havia uma parreira, que subia encostada á parede,
com as suas largas folhas de um verde accentuado d'entre as quaes
pendiam os cachos escuros com os bagos cobertos de pó luzente e
subtil das estradas. Da chaminé desenrolava-se serenamente uma
espiral branca de fumo, que se expandia pelo ar. A casinha branca, de
um só andar, apparecia encastoada no fundo escuro de uma collina. E
no cabeço do outeiro, a espessura immovel e macia de um pinheiral
fechava o horisonte, como um largo reposteiro de velludo verde.
N'essa casa vivia uma formosa mulher na companhia de dois filhos.
Coitadita da pobre! Ficava viuva aos vinte e cinco annos e com dois
filhinhos que eram o seu encanto. O mais velho tinha sete annos e
chamava-se Miguel, que era o nome do pae; o mais pequenino contava
apenas onze mezes, e tinha nascido pouco depois que o pae partiu para
a terrivel guerra da Criméa.
De uma vez, depois de cearem, a mãe, para que o Miguel não fizesse
bulha e acordasse o menino, chamou-o para ao pé de si, abriu a carta
geographica, e disse-lhe:
--Olha, meu filho, onde está o teu querido papá?
O pequenino abriu muito os olhos, e respondeu a sorrir:
--Na guerra! Pum! Pum!
--Anda vêr onde elle está.

E, pegando-lhe na mãosinha, fechou-lhe os trez dedos mais pequenos,
estendeu-lhe o indicador, e foi-lh'o levando por todas as terras por onde
o pae tinha seguido. O dedo da creança ia subindo montanhas,
descendo aos valles, atravessando as planicies, costeando pelo litoral e
cortando o mar. O pequeno balbuciava todos os nomes que a mãe
proferia. Quando chegou á Criméa parou. Ergueu a sua cabecinha loura,
e levantou os olhos para a
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