Como atravessei Àfrica | Page 8

Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto
dar-lhe uma só que fôsse das outras, dos homens que me
ficáram, ou das minhas particulares.
Retirei-me pouco satisfeito d'aquella entrevista.
No primeiro de Setembro, levantei-me muito doente, e depois de ter
feito as observações da manhã, tornei a deitar-me; quando o Verissimo
entrou espavorido na barraca, e me diz, que Lobossi mandara chamar
tôda a minha gente, e lhe exposera, que eu tinha vindo ali de propòsito
para me ir juntar aos Muzungos que estavam no Cafuque com o
Manuanino, e fazer-lhe guerra a elle. Isso estava demonstrado pêla
minha insistencia em querer ir ao Chuculumbe. N'essa noute fôra elle
prevenido dos projectos que eu meditava, e por tanto, me ia obrigar a
sahir dos seus estados, e só me deixaria livre o caminho do Bihé.
Encarregara elle o Verissimo de me vir fazer a intimação; cousa que em
nada me desconcertou o espìrito, porque, desde a vèspera á noute, eu
esperava novidade grande.
Mandei chamar o Gambela, mas elle têve o cuidado de fazer com que o
não encontrassem em tôdo o dia.
Um recado que fiz chegar a Lobossi, mostrando-lhe a inconveniencia

do passo que dava, porque eu lhe podia fazer muito mal impedindo os
sertanejos do Bihé de virem ali, têve por ùnica resposta nôvo mandado
de despejo, e só livre o caminho do Bihé.
Á tarde, nova prevenção, de que as forças que estavam reunidas para a
guerra, não sahiriam sem eu ter deixado o paiz do Lui em caminho de
Benguella.
Respondi ao enviado, que dissesse ao rei Lobossi, que dormisse sôbre o
caso, porque a noute era bôa conselheira, e que esperava ainda a sua
ùltima decisão no dia immediato.
A 2 de Setembro, logo de manhã, recebi a visita de Gambela, que vinha
da parte do rei, ordenar-me que sahisse do seu reino immediatamente, e
que o ùnico caminho livre era o do Bihé. Não pode passar nem por ali,
nem por ali, nem por ali, me disse elle, apontando para o N., E. e S.
Contra tôdos os usos do paiz, o Gambela, em quanto estêve em minha
casa, conservou as armas na mão, e eu entretive-me brincando com um
magnìfico revólver Adams-Colt.
Fingi que meditei a minha resposta, e disse-lhe, "Amigo Gambela, vá
dizer a Lobossi, ou tome o recado para si, que eu não arredo um passo
d'aqui para seguir o caminho de Benguella. Tem ahi um numeroso
exèrcito, que me venha atacar; eu saberei defender-me, e se morrer, o
Mueneputo lhe tomará contas d'isso. Vocês estam indispostos com os
Matebeles, ameaçados pêla guerra civil levantada por Manuanino,
indisponham-se tambem com o Mueneputo, e estam perdidos. Outra
vez lhe repito, que não sahirei d'aqui senão para seguir o meu
caminho."
Gambela sahio da minha barraca furioso.
N'essa noute Machauana veio furtivamente visitar-me. Previnio-me elle
de que Gambela aconselhara ao rei para me mandar matar, e que
Lobossi se negara a isso terminantemente. O caso foi passado em
conselho, a que assistia Machauana, que me fez mil prevenções para
estar de sôbre-aviso.

A larga conversação que tive com o antigo companheiro de Livingstone,
mostrou-me que entre elle e Gambela havia reixa velha. O antigo
guerreiro de Chibitano, depois muito afeiçoado ao rei Chipopa, só
pensava em ver occupar o trôno do Lui ao filho d'este, seu pupillo e seu
protegido, o joven Munutumueno, o meu alferes de cavallaria ligeira.
Tendo podido ler no coração do velho aquelle odio e aquella affeição,
considerei-me salvo. O seu poder era grande, porque elle tinha
influencia n'uma enorme parte das tribus do Lui; e por isso as azagaias,
que tanto ferem ali nas revoluções, o tinham poupado. Fiz-lhe muitos
protestos de gratidão, e pedi-lhe, que me prevenisse logo que o rei
Lobossi determinasse matar-me. Elle prometeu, e retirou-se.
Eu fui deitar-me, levando a referver na mente, um plano singelo, que
me abstive de communicar a Machauana, para lhe evitar idéas
cubiçosas, que elle não tinha n'aquelle momento.
Resolvi, se acaso Lobossi decretasse a minha morte, chamar cinco dos
meus homens mais decididos, uma especie de cães que eu tinha comigo,
como eram Augusto, Camutombo e outros, e ir com elles logo á
audiencia do rei, onde tôdos estam desarmados, fazel-os, a um signal
meu, saltarem sôbre Lobossi, Gambela, Matagja e os outros dois
conselheiros ìntimos, e eu de um pulo acercar-me de Machauana o
general em chefe, o homem que tinha ali acampados dez mil guerreiros,
e gritar-lhe bem alto "¡Viva Munutumueno, rei do Lui, viva o filho de
Chipopa!"
Uma revolução feita n'estes termos não podia deixar de dar bom
resultado n'um paiz que ama as revoluções, e onde se faria a primeira
em que não houvesse uma gôta de sangue derramado.
Acalentando este pensamento salvador, adormeci profundamente, para
acordar, no dia 3, ao chamamento do meu muleque Catraio, que me
vinha prevenir, de que
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