Como atravessei Àfrica | Page 4

Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto
a sua
lìngua, que é a lìngua official e elegante da côrte.
Era n'este idioma que falavam Lobossi e Gambela, servindo-me de
intèrpretes Verissimo e Caiumbuca. Eu disse ao règulo, que vinha da
parte do rei de Portugal (o Mueneputo), nome pêlo qual sua Magestade
Fidelissima é conhecido entre tôdos os povos da Àfrica Austral, e que é
formado por duas palavras--Muene, que quer dizer Rei, e Puto, nome
dado em Àfrica a Portugal. Disse-lhe, que o meu fim principal era abrir
caminhos ao commercio, e que estando o Lui no centro de Àfrica, e ja
em communicação com Benguella, desejava abrir o caminho do Zumbo,
e assim um mercado muito mais perto, onde elles poderiam ir
abastecer-se dos gèneros Europêos de que precisassem.
Elle queixou-se muito da falta que nos ùltimos tempos lhe havia feito o
não virem ali negociantes de Benguella, não me occultando que, entre
outras cousas, estava sem pòlvora. Eu respondi-lhe, que elles viriam, se
com elles fizessem bons negocios, e que eu lhe podia affirmar, que o
Mueneputo estava dispôsto a proteger o commercio com elle, se elle se
compromettesse a não consentir nos seus estados a compra e a venda de
escravos.
Não lhe occultei a falta de meios com que eu lutava, e mostrando-lhe o
desejo e empenho que tinha em abrir o caminho do Zumbo,
prometti-lhe, se elle me coadjuvasse na emprêsa, fazer-lhe chegar de
Tete, no menor tempo possivel, a pòlvora e mais artigos de que elle
carecia.

O Gambela, homem intelligente e fino diplomata (tambem os ha
prêtos), quiz por vêzes enredar-me, mas eu não sahia da verdade e da
lògica, e elle foi vencido.
No fim de muito discutir, ficou decidido, que o rei Lobossi mandaria
uma comitiva a Benguella, para guiar a qual eu lhe daria um homem de
confiança, com cartas para o governador e para Silva Porto, e que elle
me daria a gente de que eu precisasse para ir comigo ao Zumbo.
Era uma hora da noute quando eu me retirei, e ainda que sempre
desconfiado de prêtos, não posso deixar de confessar que me retirei
satisfeito.
O dia foi tôdo muito occupado, e depois de á uma hora me recolher,
sobreveio-me um enorme accesso de febre.
Levantei-me muito doente no dia seguinte, e mandei logo Quimbundos
e Quimbares construirem um acampamento meio kilòmetro ao sul de
Lialui, para o quê obtive autorização do rei.
Pêlas 10 horas, fui visitar Lobossi, que encontrei n'uma grande casa
circular, cercado de gente, e tendo diante de si seis enormes panellas de
capata. O meu Augusto, Verissimo, Caiumbuca e a gente do règulo,
dentro em pouco estavam bêbados a cahir, e ninguem se entendia ali.
Eu voltei a casa, e tive de deitar-me, de tal modo me recresceu a febre.
Foi immensa gente visitar-me, e como eu não tinha remedio senão
ouvir uns e outros, porque aquelles nêgros não t[~e]m a menor
consideração por um doente, peiorei muito.
Lobossi mandou-me seis bôis, cuja carne foi tôda furtada pêla gente
d'elle, porque a minha estava longe construindo o acampamento, e
Augusto, Verissimo e Camutombo completamente bêbados, não
quizéram saber d'isso.
No dia immediato, Lobossi veio visitar-me logo de manhã; eu estava
um pouco melhor, mas a febre era constante e não queria ceder aos
medicamentos.

Ás 10 horas, Lobossi mandou-me pedir para comparecer diante do seu
grande consêlho, que fizera convocar expressamente para eu expor os
meus projectos.
Outra vez Gambela, que presidia á assemblea, me quiz embaraçar, e
outra vez se saío mal. Tive de explicar Geographia a Gambela e aos
conselheiros da corôa.
Tracei-lhes no chão o curso do Zambeze, e a leste parallelo a elle o
curso do Loengue, que, com o nome de Cafúcué, vai entrar no Zambeze
a jusante dos ràpidos de Cariba.
Mostrei-lhes que em 15 dias alcançaria a povoação de Cainco, situada
em uma ilha do Loengue, e que descerìamos o rio embarcados até ao
Zambeze, e por este ao Zumbo.
Afirmei-lhes, que o Loengue não tinha cataractas, e que o Zambeze de
Cariba ao Zumbo era perfeitamente navegavel.
Insisti pois n'este ponto, demonstrando-lhes, que apenas com uma
travessia por terra de 15 dias, que se podia reduzir mesmo a 10
(citando-lhes para isso um facto de uma expedição Luina que, partindo
de Narieze, tinha alcançado Cainco em 8 dias), com uma pequena
travessia por terra, elles estariam em ràpida, communicação com os
estabelecimentos Portuguezes de Leste, por vias fluviaes
completamente navegaveis.
O pùblico estava admirado da minha erudição, e Gambela, que sabia
mais geographia Africana do que muitos ministros d'estado Europêos, e
que conhecia ser verdade o que eu expunha, cedeu ás razões.
Depois de longa e acalorada discussão, foi resolvido, que se enviasse a
comitiva a Benguella, e que me fôsse dada a gente sufficiente para
atravessar o Chuculumbe até Cainco, deixando
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