Como atravessei Àfrica | Page 3

Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto
elle
fazia com tôda a gravidade.
Á sua direita, em cadeira mais baixa, estava sentado o Gambela, e na
frente os três conselheiros. Umas mil pessôas, sentadas no chão em
semi-cìrculo, deixavam perceber a sua jerarchia pelas distancias a que
estavam do soberano.
[Figura 94.--O Rei Lobossi.]
Á minha chegada o rei Lobossi levantou-se, e logo em seguida os
conselheiros e tôdo o pôvo. Troquei um apertar-de-mão com elle e com
Gambela, abaixei a cabêça a Matagja e aos outros dous conselheiros, e
sentei-me junto a Lobossi e a Gambela.
Depois de uma troca de comprimentos e de finezas, que mais pareciam

de uma côrte Europea do que de um pôvo bàrbaro, eu disse ao rei, que
não era negociante, que vinha visital-o por ordem do Rei de Portugal, e
que tinha a falar-lhe em assumptos que não podiam ser tratados ali
diante de tão numerosa assemblea.
[Figura 95.--Gambela.]
Elle respondeu-me, que sabia e comprehendia isso, e que a recepção
que me mandara fazer na vèspera e a que elle mesmo me fazia ali, me
mostravam que eu não era confundido com um negociante qualquér;
que eu era seu hòspede, e teriamos tempo de falar em negocios, porque
elle esperava ter a felicidade de me possuir algum tempo na sua côrte.
Depois de me dizer esta amabilidade, despedio-se de mim, que voltei a
casa abrasado em febre.
No meu pàteo encontrei trinta bôis, que o rei me mandava de presente.
Disse-me o escravo favorito de Lobossi, que seria delicado da minha
parte, mandar matar os bôis, e offerecer a melhor perna de bôi ao rei, e
dar carne á gente da côrte.
Dei ordem a Augusto para fazer isso, e houve logo uma carnificina
enorme, sendo tôdos os bôis mortos, e a sua carne distribuida entre os
meus carregadores e a gente da côrte; tendo o cuidado de mandar ao rei
e aos quatro conselheiros a melhor parte, cabendo ainda assim o melhor
quinhão a Gambela, a quem fiz notar a distincção que fazia.
[Figura 96.--Matagja.]
As pelles, que ali sam muito estimadas, offereci eu a Matagja e
Gambela.
Pêla 1 hora, fui recebido pêlo rei em audiencia particular, em uma casa
tambem semi-cilìndrica, mas de grandes dimensões, que não contava
menos de 20 metros de comprido por 8 de largo.
Lobossi estava sentado em uma esteira, e em frente d'elle os quatro
conselheiros occupavam outra, de companhia com alguns fidalgos,

entre os quaes estava um velho vigoroso, cuja physionomia sympàthica
e expressiva me impressionou. Era Machauana, o antigo companheiro
de Livingstone, na viagem que o cèlebre explorador fez do Zambeze a
Loanda, e de quem elle fala, no seu roteiro com tanto elogio.
Uma enorme panella de quimbombo foi collocada no meio da casa, e
depois de o rei ter bebido, bebêram tôdos com profusão, e nem me
offerecêram, sabendo que eu só àgua bebia.
Conversámos sôbre cousas indifferentes, e eu entendi não dever
falar-lhe ainda dos meus negocios. Entre outras cousas, falámos a
respeito de lìnguas differentes, e Lobossi pedio-me que falasse um
bocado em Portuguez, para elle ouvir. Recitei-lhe as Flôres d'Alma do
poema "D. Jayme," e os prêtos ficáram encantados ao escutar a
harmonia da nossa lìngua, que o mimôso e grande poeta, Thomas
Ribeiro, soube imprimir e fazer resaltar n'aquellas estrophes singelas.
Quando eu ia retirar-me, o rei disse-me baixo, de modo que ninguem
percebeu, que lhe fôsse falar depois de ser noute fechada.
Pouco depois de eu chegar a casa, apparecêu-me ali Machauana, com
quem conversei sôbre Livingstone, e que me fez os maiores protestos
de amizade.
Á noute, pelas 9 horas, fui á morada do rei. Elle estava n'um dos pàteos
interiores, sentado em uma esteira, junto a um grande fôgo, que ardia
n'uma bacia de barro de dois metros de diàmetro. Na sua frente, em
semi-cìrculo, uns 20 homens, armados de azagaias e escudos,
conservavam a maior immobilidade e silencio.
Pouco depois de eu chegar, chegou o Gambela, e começou a nossa
conferencia.
Eu principiei por lhe dizer, que tinha sido obrigado a deixar no
caminho os ricos presentes que lhe trazia, mas que, ainda assim, tinha
podido salvar algumas pequenas cousas que lhe daria, e entre ellas uma
farda e um chapéo, que lhe apresentei logo.

Era uma d'essas fardas ricamente agaloadas, que tôda Lisboa vio aos
lacaios postados nas antecàmaras do Marquez de Penafiel, e que fôram
vendidas quando o opulento fidalgo trocou a sua residencia luxuosa de
Lisboa, pelo viver mais buliçôso da capital da França.
Lobossi ficou encantado com a farda e com o chapéo armado, e fêz-me
mil agradecimentos. Depois de uma pequena conversa sem importancia,
entrámos em assumpto.
No Barôze falam-se três lìnguas. O Ganguela, a lìngua Luina, e o
Sezuto, idioma deixado ali pêlos Macololos, que modificáram os
costumes d'aquelles povos a ponto tal, que até lhes implantáram
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