Claridades do sul | Page 8

António Gomes Leal
e velho?Lhe est�� para morrer; lastima a vida;?E sobre as vinhas pede um bom conselho.
A casa �� escura, velha, ennegrecida?Do fumo. Noute velha, ouve-se o vento?Bater na antiga porta carcomida.
O frio, a neve, a fome, o mau sustento?Tem quebrantado muito aquellas frontes,?E em muitos esmagado o pensamento.
N'alguns extinguido, mesmo, as fontes?Da justi?a e do bem; e feito errar?No mundo, como os lobos pelos montes.
E o egoismo dos filhos e do Lar?Banido o d�� das lastimas estranhas;?E tornado-os mais frios do que o mar.
Alguns vivem nas neves, nas montanhas,?Outros o rio tem por seu visinho;?E com a Fome travam m��s campanhas.
E--todos--tem o ar triste e mesquinho,?Dos que v?o sem prazer, habituados,?Como a um somno que tira maus cuidados,
Beber as suas lagrimas com vinho.
*OS LOBOS*
La neige batait les vitres...?(Gustavo Droz)
Cae lentamente a neve em cima dos telhados.
Tres longos dias crus, terriveis s?o passados,?Que o rude lavrador anda por f��ra ao vento,?�� neve, ao frio, ao sol, em busca de alimento,?E ainda n?o voltou. Um dos tres filhos chora;?Rija e sonoramente, a chuva cae l�� f��ra.
Quem sabe se vir��? J�� tem corrido os dias:?Ella pobre mulher, viuva d'alegrias,?Magra, branca, doente, aspecto macerado,?Ha muito que presente um caso desgra?ado,?O assassinio talvez!... Ha horas malfadadas,?A miseria �� sinistra e extensas as estradas!
Talvez pelo caminho, entre atalhos perdidos,?Na dura escurid?o matassem-n'o os bandidos;?A fome magra e escura a tudo obriga e atreve!?Talvez de sangue esteja, ainda, tinta a neve!
Elle era bom;--talvez um pouco rude e duro!?Mas �� que a vida �� triste e o seu trabalho escuro?�� chuva, ao frio, aos soes, e entre o luar gelado?Faziam-o cruel; e ��s noutes embriagado?Talvez para esquecer, tinha--sinistro o vinho;?Mas, no entanto era o sol d'aquelle estreito ninho,?A Alegria, a For?a; e a fome macerada?Tinha-a espancado sempre a sua forte enxada!
Ent?o cheia de d?r, pallida de receio,?Quiz il-o procurar, pegou n'um filho ao seio,?O mais novo, e accendeu tremendo uma lanterna.?Vinha, ��s vezes, no vento uns risos de taberna;?A noute era cruel, a chuva rija e fria;?Riam-se os pinheiraes, a solid?o gemia;?Corriam tradi??es de mortes e de roubos;?E ouvia-se, na neve, uivar de fome os lobos.
Se saisse talvez n?o encontrasse abrigo!
Os filhos, a chorar, pediam ir comsigo.?Um esfregava o rosto em prantos e cabellos,?Perto d'um gato esguio envolto entre novellos,?E outro roto e magro edefinhado, em pranto,?Solu?ava e tossia ao mesmo tempo a um canto.
Ambos elles sem c?r, doentes, encovados,?Dormiam pelo ch?o, nos asperos sobrados,?Magros, cheios de febre, em farrapos, sombrios,?Sordidos, semi-n��s e lividos dos frios,?E a manta esburacada e cheia de rasg?es;?De vez emquando, ao longe, ouviam-se os trov?es,?Caia fina a neve, a chuva termin��ra,?E como um grande alvor o meigo azul limp��ra!--?Ella saiu ent?o; na capa esburacada?Embrulhou bem o filho e foi-se pela estrada;?Mas, elles, a chorar, quizeram ir com ella,?E como o escuro azul tinha uma clara estrella?Deixou-os ir tambem--que um d'elles se o levava?Era por ser aquelle a quem o pae beijava,?E affagava, sorrindo, e enchendo de carinhos,?Quando o ia, aguardar �� noute, nos caminhos!
A miseria �� fatal! dorida far?a escura?Que termina o christ?o latim da sepultura!
E assim pensava s��, vestida de tristeza?A nervosa mulher, n'aquella natureza?Sombria, dura, m��; por entre aquelles gelos,?E aquelle vento cru rasgando-lhe os cabellos:
?Ella nascera s�� para a d?r!--da Desgra?a?Ha muito havia j�� que lhe amarg��ra a ta?a!?N?o conhecera nunca os risos e agasalhos;?--Os miseraveis Deus s�� faz para os trabalhos!
E, ��quella hora, talvez, felizes e contentes,?Cheios do bom calor os ricos indolentes?Comeriam, �� luz das v��las perfumadas,?Nas mesas sensuaes; e em quanto nas estradas?Pelos atalhos m��us e as veredas sombrias,?Ella ia a tiritar por entre as nevoas fr��as.?Sem p?o, sem luz, sem Deus--alegres satisfeitos,?Elles riam, talvez, da chuva nos seus leitos!
O sol d'elles �� bom!--Nos duros ceus serenos?Parece que n?o ha um Deus para os pequenos!?
E continuava a errar por campos, por florestas;?Era o inverno cruel, tinham-se ido as giestas;?Iam sangrando os p��s nos asperos espinhos;?A neve amortalhava os lividos caminhos.
?Ah como os ricos s?o serenos e felizes!?--Elles sordidos, vis, podem comer raizes,?N?o ter lume nem p?o, andarem macilentos?��s nevoas e aos soes e aos gelos dos relentos;?S?o os parias, os Jobs, os vis--e rejeitados?Como os mortos que traz o mar esverdeados!
E as m?es se n?o ser?o leaes, boas, contentes!?Sempre os filhos com p?o, os filhos sempre quentes,?Cheios d'amor e sol, vestidos de cuidados?De beijos, d'affei??es, d'arminhos, de bordados,?Amados seraphins, olympicos amores,?E ��quella hora talvez em leitos como em flores;??--Em quanto os seus, da fome encovados, immundos,?Tremendo d'ella ao p�� sublimes e profundos,??Sem p?o, talvez sem pae, sem leito brando e leve,?Choravam semi-n��s, descal?os pela neve!?
Em toda a parte a neve amortalhava o sollo!
Por fim cada vez mais chorava o filho ao collo;?N?o rompia o luar, n?o tremia uma estrella;?Nem mesmo o proprio ceu se amerciava d'ella;?Lembrou-lhe as lendas m��s de mortos e de roubos;?E ouviu-se j�� mais perto uivar de fome os lobos.
Cada vez, cada vez, se approximavam
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