Claridades do sul | Page 6

António Gomes Leal
astros inviolados, larangeiras!

Nunca mais me dareis seu riso ameno
E aquellas _lindas_,
languidas olheiras.
Quando é que, ó grande e santa Natureza!
Me poderás um dia
consollar
--D'aquella que já mais eu pude amar!--
Inacreditavel,
lugubre crueza!
D'aquella que talvez, alegre e louca,
Eu de certo amaria;--amara, é
certo!--
Mas que era pobre e só, e cuja boca
Tinha a vermelha côr
d'um cravo aberto!

Cuja voz era doce como um favo,
Voz que tocava as cordas mais
secretas!
Que nos fazia o coração escravo,
Cujos olhos... leaes
tulipas pretas!...
Nuvens d'Agosto, azul fundo e, sereno!
E astros inviolados,
larangeiras!
Nunca mais me dareis seu riso ameno
E aquellas
_lindas_, languidas olheiras!
Nunca mais... Ah! mas não; Virá um dia,
--Dia livre de vis
_conveniencias_!--
Que a ella me una em fim na terra fria,
E te
ache ó paz! nas santas florescencias!
*O PECCADO*
Nunca cessamos de peccar
(Imitação de Christo)
I
*Ubique doemon*
Bem sei... e mais que o sei, claro luar!
Que segundo a severa
theologia,
Pelas noutes sonoras de poesia
O aroma dos lyrios faz
peccar!
Quem vos diría!... madresilvas, mar,
Lilazes, claros rios, cotovia!

Que ao dizer da tirannica theoria,
Vós farieis a Carne triumphar!
Ah! Natureza, pois, se és criminosa,
E nos levam ao mal urnas da
rosa,
Bom coração de Christo imaculado!...
Quantos não vês morrer, do ceu prufundo,
Cheios de sangue, como
heroes no mundo,
--Exhautos dos mil golpes do Peccado!?--
II
*O Peccado*

Elle é antigo, tragico e venal,
Amando a Carne, o Crime e os
assassinos,
E como a folha acerba d'um punhal,
--É quem golpeia
os seios femeninos!--
É complicado, mystico, mortal,
Com sombrios escrupulos divinos,

E é quem faz estorcer os braços finos,
E escorregar a lagrima final.
No entanto, grato e funebre Peccado!
Atrahente, gostoso e desejado,

Negro nome de vicio e perdição!...
A Egreja vê em tudo as tuas chagas;
E ha muito tempo já que o
mundo esmagas,
E te embriaga o sangue da Paixão!
III
*A Cidade*
Em vão busco na velha e hostil Cidade,
Beata amante, de gangrenas
cheia,
As dispersas raizes da Verdade,
--Como uma flor n'um pateo
de cadeia.
Quando, alta noute, D. _Juan_ passeia,
Ella põe-lhe em leilão a
mocidade,
Tratada com a mystica anciedade
Com que um sabio
cultiva a flor da Idea.
Mas, comtudo ninguem receia tanto
O aspero Deus, e o lenho
sacrosanto
Da dorida tragedia do Calvario!
E, ó _D. Juan_, ás luzes das estrellas,
Tu bem sabes se encontras nas
viellas
Mais de uma vez, perdido algum rosario!...
IV
*O Inimigo*
Á genoux! Je suis Pan!
(Victor Hugo)

Ha muito que é chamado o Aborrecido,
O rebelde, o leproso, o
descontente,
E eterno tentador sempre vencido,
Que habita o Ar, a
Terra, e o Fogo ardente.
Elle é a hydra, a Carne, o incontinente,
O orgulho nos abysmos
submergido,
O que anda sempre em _nós_, o cão batido,
O espirito
da Duvida, a Serpente,
Mas, mau grado, ó Egreja, a tua ira,
Elle não é nem Vicio, nem
Mentira,
Nem synonimo de Mal e de Impureza!...
E eu bem sei, negro symbolo apupado,
Velho satyro, vil, calumniado,

Diabo! que te chamas «Natureza!»
V
*Em toda a parte*
_Elles_ tem dito e escripto que o Peccado
Anda disperso e roe o
mundo inteiro,
Que habita o duro coração guerreiro,
E o peito
femenino e delicado.
Que anda no ar, em nós, da flor no cheiro,
Das pugnas no ruido
desolado,
No vinho, na paz doce do mosteiro,
--No corpo da mulher
perfeito e amado!--
É portanto, homem timido e sujeito,
Quer te encostes, ou não, ao vão
Direito,
O teu funebre gozo e teu tormento!
Habitua-te a tel-o na Desgraça,
No ar, no chão, na flor, no som que
passa,
--E até, serpente vil, no Pensamento!
VI
*Á Janella*

Altas horas da noute, quando a rua
É deserta da onda crapulosa,
No
seu caminho em meio, vagarosa,
--Abro a minha janella a ver a lua.
Como uma branca divindade nua
Ella avança celeste, e, á luz ditosa,

Qual copo de cristal que enche uma rosa,
O goivo do Peccado em
luz fluctua.
Fluctua, e é nestas horas recolhidas
Que me ergo então ás cupulas
subidas
D'onde se avista o mystico ideal...
E rio, e admiro o vulgo obsecado
Que cuida ver, nas beiras d'um
telhado,
Abrir-se n'um _craveiro_ a flor do Mal!
VII
*Ella*
Quando _ella_ emfim morrer, verão os vivos
Cortando o ar uns ais de
sentimento,
Como os lugubres córos dos captivos
N'um triumpho,
ou n'um grande saímento.
Ouvir-se-hão soluços pelo vento,
Elogios, ais fundos, fugitivos,

Que dirão:--«Lá se vão meus lenitivos!
Morreu a Espada, a Lei, Guia
e Sustento!»
O seu tumulo terá goivos e rosas,
E vãs estatuas lividas, chorosas,
E
epitaphios em lugubre latim.
Terá palmas mais verdes que a Esperança;
--Mas a alma, em cima,
escreverá:--Descança!
Serpente, irmã de Judas e Cain!
*SONETO D'UM POETA MORTO*
Achado nos seus papeis
Bem sei que hei de morrer cedo e cansado,
Alguma cousa triste em

mim o diz,
E vagarei no mundo desterrado,
Como Dante chorando
a Beatriz.
Pelos reinos, irei talvez curvado,
Como um proscripto princepe
infeliz,
Ou como o indio pallido e exilado
Chorando o vivo azul do
seu payz.
Mas no entanto, ah! ninguem ao Sol divino
Abrasou mais as azas,
derretidas
Ante as duras, ferozes multidões!
E ninguem teve a torre d'ouro fino,
Aonde, quaes princezas
perseguidas,
Morreram minhas doudas illusões!
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