nos ceus,
Entre o azul, o escuro, e os frios escarceus,
Hombro a hombro o
abysmo,--abysmo sempre aos pés,
Que dormem á poesia, á lua das
marés,
E morrem uma noute, ó mar, aos teus emballos,
Deixando
uns olhos bons e meigos a choral-os!
Eu por mim não terei um astro bom nos Ceus,
Nem uns olhos leaes
que chorem pelos meus,
E que inda a fronte mal me obscureça a
magoa,
Como espelhos d'amor já sejam rasos d'agua!...
Sósinho
passarei, e não irei jámais,
Pelas murtas com ella ás tardes outomnaes;
De inverno não terei os consollos do lar,
Nem do estio a doçura
immensa do luar;
Meus filhos não irão jámais colher os ninhos;
Ninguem virá á tarde esperar-me nos caminhos!
*OS MONGES DE ZURBARAN*
(IMITADO DE TH. GAUTIER)
Monges de Zurbaran! ó magros solitarios,
Que ao longo deslisaes dos
grandes claustros frios,
Correndo eternamente as contas dos rosarios!
Dos remorsos sentis os santos desvarios?
Que mal vos fez a Carne,
algozes de tonsura?
Espectros monacaes cavados e sombrios?
Essa materia vil--que é divina esculptura,
E que o Justo vestiu nas
santas tradições,
Com que lei e razão é que bradaes--Impura?
Ó santos! eu entendo as allucinações!
Os chumbos em fusão, as
abrasadas lenhas,
As grelhas, a polé, e as fauces dos leões!...
As rodas infernaes que rasgam as entranhas,
Tudo o que Roma
ideou;--mas o que eu não entendo
É o suicidio e a fé sob essas
estamenhas!
Por que pois, sempre assim, um suicidio horrendo?
E toda a noute a
carne, entre as vis disciplinas,
Dilacerar até o sangue ver correndo?
Não são só as crueis macerações mofinas,
E o continuo bater nos
peitos angulosos,
Que em tuas letras só, ó Christo! nos ensinas!
Julgais que Deus só quer aos grandes ulcerosos!
E que essa morte
lenta, esse ar austero e grave,
Vos faça abrir mais cedo os ceus
gloriosos?
Julgais que tal suicidio os grandes crimes lave?
--Largae das magras
mãos, unidas, as caveiras,
Vossas covas, mortaes, deixai que um
outro as cave!
O espirito immortal ergue-se entre as fogueiras;
Mas continuo
insultar a Carne com desdem,
É rebaixar-te, ó Deus, a charlatão de
feiras!
E comtudo que força e que energia teem,
Esses monges de Deus, em
vivo amortalhados,
A viver sem mulher, sem paes, e sem ninguem!
Tão moços! e, assim já, tão velhos e cavados!
Por horisonte um
claustro e um muro,--indifferentes,
Sósinhos a resar ante os
Crucificados!
Teus frades, Lesueur, são d'estes differentes!
O triste Zurbaran soube
exprimir melhor
Os extases do olhar e as cabeças doentes!
E a vertigem do ceu, o tedio, o desamor
Da Carne, que lhes dá
aureolas febris,--
E esse aspecto que faz gelar-nos de pavor!
Como o duro pincel lhes pinta a flor de liz
Dos cilicios! e a luz dos
olhos mortecidos,
E essas rugas que os faz magros, sublimes, vis!
Como as pregas alonga aos habitos compridos!
Como ás faces lhes
cava a pallidez da terra,
Como se fossem já uns mortos estendidos!
Quando as vizões do Ceu nos extases descerra,
Ao Crucifixo os pés
beijando soluçantes,
E açoutando-se qual o mar açouta a serra!...
Ou quando passeaes pelos claustros gigantes,
Nem mesmo a propria
sombra atraz deixando ao muro,
--Sempre, ó monges! vos pinta
eguaes e semelhantes!
Com duas tintas só--claro livido, e escuro,
Só duas posições--a recta e
a que inclina,
Pintou a vossa historia e o vosso viver duro!
A forma, o raio, a côr, a luz que nos fascina,
Nada são para vós,
magros indifferentes,
Por que o Ceu vos desvaira e a Cruz vos
allucina!
E assim mudos passaes nas Biblias reverentes...
Julgando sempre
ouvir nos ceus que se descobrem,
Trovejar de repente as trombetas
dos crentes.
Ó monges! ó fieis! não entendeis o homem!
Talvez a herva cresça,
agora, em vossos peitos,
Pois bem, que dizeis hoje aos vermes que
vos comem?
Que sonhos maus fazeis n'esses extremos leitos?
Choraes o ter
gastado o tempo que nos foge,
Entre essas solidões e esses muros
estreitos?!...
Monges, o que haveis feito, inda o farieis hoje?!
*A BELLA FLOR AZUL*
Quem saberá «signora» d'onde terá nascido esse bello lyrio branco?
(Velha Comedia Italiana)
Eu não sou o fatal e triste Baudelaire;
Mas analyso o Sol e
decomponho as rosas,
As rijas e crueis dahlias gloriosas,
--E o lyrio
que parece o seio da mulher.--
Tudo que existe ou foi, morre para nascer;
Na campa dão-se bem as
plantas graciosas,
E, um dia, na floresta harmonica das Cousas,
Quem sabe o que serei quando deixar de ser!
A Morte sae da Vida--a Vida que é um sonho!
A flor da podridão, o
Bello do medonho
E a todos cubrirá o mystico cypreste!...
E, ó minha Sphinge, a flor pallida e azul no meio,
Que hontem tinhas
no baile, e que trouxeste ao seio
Levantei-a d'um chão onde passára a
Peste.
*HORA DO MEIO DIA*
J'étois inquiet distrait, réveur; jé dèsirois un bonheur dont je n'avois pas
l'ideé.
(Confessions de J.J. Rousseau)
--Sosinho no meu quarto retirado,--
Certas horas do dia calorosas,
Quando as flexas do Sol queimam as rosas,
Eu scismo no seu corpo
esbelto e amado!
As curvas do seu collo assetinado,
Mais fino que o das rollas
amorosas,
Dar-me-hiam as noutes voluptuosas
De que fallam os
doutos do Peccado.
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