Chronica de el-rei D. Pedro I | Page 8

Fernão Lopes
não tomasse gallinhas, nem patos, nem
cabritos, nem leitões, nem outras nenhumas cousas acostumadas de
tomar, salvo compradas á vontade de seu dono; e sobre isto pôz pena de
prisão, e dinheiros, ás honradas pessoas, e aos gallinheiros e pessoas vis,

açoutados pelo logar hu as tomassem, e deitados fóra de sua mercê.
Mandou mais aos estribeiros seus e de seus filhos, e a todos os de sua
terra, que não mandassem a nenhum logar por palha doada, salvo se a
houvesse de haver de fôro; mas que pelo azemel, que fosse por ella,
mandasse pagar pela carga cavallar de palha, ou de restolho empalhado,
três soldos e pela carga asnal, dois. E o azemel que por ella fosse, e a
d'esta guisa não pagasse, que pela primeira vez fosse açoutado e
talhadas as orelhas, e pela segunda fosse enforcado: e outra tal pena
mandava dar ao lavrador que não empalhasse toda a palha que
houvesse.
E quando lhe diziam que punha mui grandes penas por mui pequenos
excessos, dava resposta dizendo assim, que a pena que os homens mais
receavam era a morte, e que se por esta se não cavidassem de mal fazer,
que ás outras davam passada, e que boa cousa era enforcar um ou dois,
pelos outros todos serem castigados, e que assim o entendia por serviço
de Deus e prol de seu povo.
Elle corregeu as medidas de pão de todo Portugal, e ordenou outras
cousas por bom paramento e proveito de sua terra, das quaes não
fazemos mais longo processo por não saber quanto prazeriam aos que
as ouvissem.

*CAPITULO VI*
_Como el-rei mandou degolar dois seus criados, porque roubaram um
judeu e o mataram_.
Este rei Dom Pedro, emquanto viveu, usou muito de justiça sem
affeição, tendo tal igualdade em fazer direito, que a nenhum perdoava
os erros que fazia, por criação nem bem querença que com elle
houvesse. E se dizem que aquelle é bem aventurado rei que por si
esquadrinha os males e forças que fazem aos pobres, e bem é este do
conto de taes, cá elle era ledo de os ouvir, e folgava em lhes fazer
direito, de guisa que todos viviam em paz. E era ainda tão zeloso de

fazer justiça, especialmente dos que travessos eram, que perante si os
mandava metter a tormento, e se confessar não queriam, elle se
desvestia de seus reaes pannos, e por sua mão açoutava os malfeitores;
e pelo que d'ello muito pasmavam seus conselheiros e outros alguns,
annojava-se de os ouvir, e não o podiam, quitar d'ello por nenhuma
guisa.
Nenhum feito crime mandava que se desembargasse salvo perante elle,
e se ouvia novas de algum ladrão ou malfeitor, alongado muito d'onde
elle fosse, falava com algum seu de que se fiava, promettendo-lhe
mercês por lh'o ir buscar, e mandava-lhe que não viesse ante elle até
que todavia lh'o trouxesse á mão. E assim lh'os traziam presos do cabo
do reino, e lh'os apresentavam hu quer que estava. E da mesa se
levantava, se chegavam a tempo que elle comesse, por os fazer logo
metter a tormento, e elle mesmo punha n'elles mão quando via que
confessar não queriam, ferindo-os cruelmente até que confessavam.
A todo logar onde el-rei ia, sempre acharieis prestes com um açoute o
que de tal officio tinha encargo, em guisa que como a el-rei traziam
algum malfeitor, e elle dizia:--chamem-me foão, que traga o
açoute,--logo elle era prestes, sem outra tardança.
E pois que escrevemos que foi justiçoso, por fazer direito em reger seu
povo, bem é que ouçaes duas ou três cousas, por vêrdes o geito que
n'isto tinha.
Assim adveiu que pousando elle nos paços de Bellas, que elle fizera,
dois seus escudeiros que gram tempo havia que com elle viviam, sendo
ambos parceiros, houveram conselho que fossem roubar um judeu que
pelos montes andava vendendo especiaria e outras cousas. E foi assim,
de feito, que foram buscar aquella suja préa, e roubaram-no de tudo, e,
o peior d'isto, foi morto por elles. Sua ventura, que lhe foi contraria,
azou de tal guisa que foram logo presos e trazidos a el rei, alli hu
pousava.
El-rei, como os viu, tomou gram prazer por serem filhados, e
começou-os de perguntar como fôra aquillo. Elles, pensando que longa
criação e serviço que lhe feito haviam, o demovesse a ter algum geito

com elles, não tal como tinha com outras pessoas, começaram de negar,
dizendo que de tal cousa não sabiam parte.
Elle, que sabia já de que guisa fôra, disse que não haviam por que mais
negar, que ou confessassem como o mataram, senão, que a poder de
crueis açoutes lhe faria dizer a verdade.
Elles em negando viram que el-rei queria pôr em obra o que lhe por
palavra dizia, confessaram tudo assim como fôra; e el-rei,
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