de recadar com elle, mandava-lhe que
enviassem em escripto cerrado e sellado, por um porteiro, tudo o que
mister haviam, e logo lhe el-rei taxava que houvesse por dia quatro
soldos, e mais não, e el-rei, visto o que lhe pediam, livrava-o logo, sem
outra detença, como achava que era direito. E se tal cousa era que
cumpria de esse concelho enviar a elle alguns bons homens, e
entendidos, mandava el-rei que não enviassem mais de um, por fazer o
concelho mais pouca despeza; e mandava que tal como este não
houvesse por dia mais que vinte soldos.
*CAPITULO V*
_De algumas cousas que el-rei Dom Pedro ordenou por bem de justiça
e prol de seu povo_.
Assim como este rei Dom Pedro era amador de trigosa justiça
n'aquelles que achado era que o mereciam, assim trabalhava que os
feitos civeis não fossem prolongados, guardando a cada um seu direito
cumpridamente.
E porque achou que os procuradores prolongavam os feitos como não
deviam, e davam azo de haver hi maliciosas demandas, e o peior, e
muito de estranhar, que levavam de ambas as partes, ajudando um
contra o outro, mandou que em sua casa, e todo o seu reino, não
houvesse advogados nenhuns; e encommendou aos juizes e ouvidores
que não fossem mais em favor de uma parte que outra; nem se
movessem por nenhuma cobiça a tomar serviços alguns por que a
justiça fosse vendida, mas que se trabalhassem cedo de livrar os feitos,
de guisa que brevemente, e com direito, fossem desembargados, como
cumpria. E sabendo que eram a ello negligentes, que lh'o estranharia
nos corpos e haveres, e lhe faria pagar ás partes toda perda que por ello
houvessem.
Isto assim ordenado, soube el-rei, a cabo de pouco tempo, que um seu
desembargador, de que elle muito fiava, chamado por nome mestre
Gonçalo das Decretaes, levara peita de uma das partes que perante elle
andavam a feito, pela qual julgou e deu sentença. E el-rei, sabendo isto,
houve mui grande pezar, e deitou-o logo fora de sua mercê por sempre,
e degradou elle e os filhos a dez leguas de onde quer que elle fosse:
porém, diziam todos os que isto viram, que aquelle de que elle levara a
peita tinha direito n'aquelle pleito.
Então ordenou el-rei, e pôz defeza em sua casa e todo seu senhorio, que
nenhum que tivesse poderio de fazer justiça, não filhasse peita
nenhuma dos que houvessem pleitos perante elles; e se lhe fosse
provado que a tomára, que morresse por ello, e perdesse os bens para a
corôa do reino. E se taes juizes e officiaes tomassem serviços de
quaesquer outros que perante elles não houvessem pleitos, que
perdessem a sua mercê, salvo se fosse de homem que não houvesse
demanda em todo seu senhorio, que aduz poderia ser achado. E mandou,
ao corregedor da côrte e ouvidores, que não conhecessem de feitos
nenhuns, salvo se fossem entre taes pessoas de que os juizes das terras
não podessem fazer direito, senão quando lhe viessem por appellação
ou aggravo.
Sabendo, outrosim, el-rei, como alguns, que eram casados, deixavam
suas mulheres e filhos que tinham, e tomavam barregãs, com que áparte
faziam vivenda, e outros taes que com suas mulheres as tinham em casa:
mandou, e pôz por lei, que qualquer casado que com barregã vivesse,
ou a tivesse dentro em sua casa, se fosse fidalgo ou vassalo, que d'elle
ou de outrem tivesse maravidis, que os perdesse, e segundo os estados
das pessoas, assim ordenou as penas do dinheiro e degredo, até mandar
que publicamente, pela terceira vez, elles e ellas por isto fossem
açoutados. E quando diziam a el-rei que se aggravavam muitos de tal
ordenança como esta, respondia elle que assim o entendia por serviço
de Deus e seu, e prol d'elles todos. E esta ordenança mesma, e penas,
pôz nas mulheres que barregãs fossem de clerigos de ordens sacras.
Elle defendeu e mandou, em Lisboa, que nenhuma mulher de qualquer
estado que fosse, não entrasse dentro no arrabalde dos mouros, de dia
nem de noite, sob pena de ser enforcada. E mandou que qualquer judeu
ou mouro, que depois de sol posto, fosse achado pela cidade, que com
pregão publicamente fosse açoutado por ella.
Falando el-rei um dia nos feitos da justiça, disse que vontade era, e fôra
sempre de manter os povos de seu reino n'ella, e estremadamente fazer
direito de si mesmo. E porquanto elle sentia que o mór aggravo que elle
e seus filhos, e outros alguns de seu senhorio, faziam aos povos de sua
terra, assim no tomar das viandas por preço mais baixo do que se
vendiam, que porém elle mandava que nenhum de sua casa, nem dos
infantes, nem d'outro nenhum que em sua mercê e reinos vivesse, que
cargo tivesse de tomar aves, que
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