se por nós alguma cousa pudesse ser feita, muito prestes eramos de o
fazer, porém rogamos a Deus, em cuja mão é vida e morte de cada um,
que receba sua alma com os seus santos no paraiso, fiando n'elle que o
ha feito. Prazer outro sim houvemos mui grande, Rei irmão, quando
soubemos que ereis alçado em rei de Portugal e do Algarve, pela
successão herdeira a vós por direito pertencente, e crendo saber que,
assim como nós tinhamos o dito rei em conta e logar de padre, assim
entendemos de ter a vós em conta de nosso irmão, e fazer por vós toda
cousa que seja honra e prazer vosso, e proveito de vosso senhorio,
esperando certamente, de vós, que fareis semelhante por nós, e por
nossos reinos e terras.
E porquanto, irmão Rei, segundo é conteudo em vossa letra, vós
desejaes saber o bom estado de nossa pessoa, e da rainha, e de nossos
filhos, a prazer vosso vos significamos que somos todos sãos e em boa
disposição de nossas pessoas, mercês a Deus: rogando-vos, mui
caramente, que de vosso bom estado e real casa, nos certifiqueis por
vossa carta, e sêde certo que nos fareis assignado prazer. D'ante em
Saragoça, etc.»
*CAPITULO IV*
_Da maneira que el-rei D. Pedro tinha nos desembargos de sua casa_.
Pois d'este rei achamos escripto que era muito amado de seu povo, pelo
manter em direito e justiça, dês-ahi boa governança que em seu reino
tinha, bem é que digamos de cada cousa um pouco, por vêrdes parte
dos modos antigos.
Na ordenança de todos os desembargos, tinha el-rei esta maneira:
quantas petições lhe a elle davam, iam á mão de Gonçalo Vasques de
Goes, escrivão da puridade, e elle as dava a um escrivão, qual lhe
prazia, o qual tinha encargo de as repartir, e dar cada uma aos
desembargadores a que pertenciam; e as petições que eram
desembargos de commum curso, aquelles, por que deviam passar,
mandavam logo fazer as cartas a seus escrivães, de guisa que n'aquelle
dia, ou no outro seguinte, eram as partes desembargadas, e o escrivão
que o assim não fazia, perdia a mercê de el-rei por ello.
As outras petições, que eram de graça e mercê, que pertenciam á sua
fazenda, fazia-as pôr em ementa a seu escrivão, e este escrevia por sua
mão as petições que assim levava, cujas eram, e de que cousa, e este
escripto ficava na mão do desembargador; e quando as depois
desembargava com el-rei, se achava mais petições postas na ementa,
que aquellas que lhe elle mandara pôr, visto o escripto que em seu
poder ficava, por tal erro perdia a mercê de el-rei; e como aquella
ementa era desembargada com el-rei, diziam os desembargadores a
cada uma pessoa a mercê que lhe el-rei fazia, e mandavam a seus
escrivães que lhe fizessem logo as cartas, e n'esse dia haviam de ser
feitas, ou no outro o mais tardar, sob a pena que dissemos.
E se ahi havia taes porfiosos que andavam mais após el-rei, afincando-o
com outras petições depois que haviam desembargo de sim ou de não,
ou moravam mais tempo na côrte, se era honrado pagava certa pena de
dinheiro, e se pessoa refece davam-lhe vinte açoutes na praça, e
mandavam-no para casa; e trazia el-rei inculcas que lhe soubessem
parte de taes homens, por se cumprir n'elles sua ordenação.
Por el-rei não ser annojado de vêr duas vezes as mercês que fazia, uma
por ementa e outra por cartas, e por aquelles que o requeriam haverem
mais toste seu desembargo, fazia-se d'esta guisa: quando el-rei
outorgava algumas mercês a alguem, os que lhe haviam de dar
desembargo escreviam logo na ementa, perante el-rei, a maneira como
lh'as dava, e em cada um desembargo punha el-rei seu signal, e o
chanceller estava presente, quando podia, para vêr como as el-rei
desembargava. E tanto que os desembargadores tinham as cartas feitas
e assignadas, mandavam-nas ao chanceller com o rol da ementa que
el-rei assignara, por não pôr duvida em alguma d'ellas, e logo n'esse dia
haviam de ser selladas, ou no outro até ao jantar.
Se el-rei ia a monte ou á caça, em que durasse mais de quatro dias, por
nenhuns serem detidos por elle, juntavam-se os que tinham as petições
das graças e viam aquillo que cada um pedia, e se lhe parecia que não
era bem de lh'o el-rei fazer, escreviam-lhe pelo meudo por qual razão, e
as que viam que devia outorgar, punham-lhe isso mesmo por quê, e
assignavam todos a ementa, e levava-a um d'elles a el-rei, por lhe dizer
a razão que os movera a fazer ou não cada uma cousa; e d'esta guisa
haviam as gentes bom desembargo, e el-rei era fóra de muito nojo e
afincamento.
Se alguns concelhos haviam
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