o servir fosse necessaria ficasse aforrado em sua
côrte. Mas aos fidalgos que com elle iam não pareceu razão leixa-lo
assi, sem prazer do Regente. Pelo qual El-Rei o despediu com dadivas
de joias e cavallos, e mullas e outras cousas de grande preço, e não
falleceram outros muitos grandes senhores d'aquelle reino que lhe
offereceram seus presentes, de cousas que sua idade e tempo requeriam.
Mas para d'outrem algum não receber nada, salvo d'El-Rei, teve as
mãos tão castigadas, como as fez soltas em dar e fazer grandes mercês
a aquelles que semelhantes cousas lhe apresentavam, ainda que com
ellas se tornassem, e d'esto se escusava com tanta humildade e cortezia,
que bem parecia que não era por algum vicio de presumpção que n'elle
coubesse.
E assi com sua gente na ordenança em que fôra, e com bandeiras
tendidas se tornou a Portugal e entrou por Bragança, e na villa d'Aveiro
achou El-Rei e com elle o Infante seu padre, d'onde despediram os
fidalgos e a gente que com elle fôra, dando pelo serviço que fizeram
muitos aguardecimentos com as mercês que cada um por sua confissão
merecia, e isto passou no anno de mil e quatrocentos e quarenta e cinco.
CAPITULO LXXXVI
De como o Regente fez côrtes geraes, em que leixou a El-Rei a
primeira vez o Regimento do Reino, segundo era obrigado, e como
El-Rei lh'o tornou a dar
E consirando o Regente, como para o Janeiro do anno que logo entrava
de mil e quatrocentos e quarenta e seis, El-Rei D. Affonso cumpria
idade de XIV annos, em que, segundo fôro d'Espanha, qualquer
Principe Real deve haver inteira posse e administração de seu reino e
senhorio, e lembrando-se isso mesmo da obrigação em que por sua fé e
juramento ficara de a este tempo livremente lhe entregar o reino,
querendo inteiramente assi cumprir, fez para isso côrtes geraes e
solemnes em Lisboa, e na salla grande dos paços, sendo El-Rei com os
Infantes e senhores, e seus officiaes e procuradores, em sua costumada
e antiga ordenança, o doutor Diogo Affonso Mangancha, em nome do
Infante D. Pedro, fez uma louvada oração, cuja sustancia se concludio
em quatro cousas.
«A primeira, apresentar e entregar alli El-Rei em tal disposição de sua
pessoa, siso e entender, manhas e virtudes, como de sua edade não cria
que no mundo outro tal houvesse; porque dava e dessem todos muitas
graças a Deus. A segunda, que no regimento do reino que todos lhe
deram, como quer que para o bem fazer, elle com todas suas forças,
entender, e diligencia fizera muito a além do que podera; porém que
pelo grande trabalho, que em nome d'outrem era reger, especialmente
em tempos de tantos desvairos e balanços como no seu se seguiram,
elle confessava tel-o feito muito áquem do que devia, de que pedia
perdão. A terceira, em dar aguardecimentos áquelles, que no tal caso
bem e lealmente serviram e ajudaram, guardando nas palavras o
acatamento, mais e menos, segundo cabia nas calidades das pessoas e
estados do reino que eram presentes. A quarta conclusão foi, que em
caso que não fôra direito nem costume aos Principes de tão pequena
edade, como eram a quatorze annos dar-se livre poder de per si regerem
reinos e senhorios, que a El-Rei seu Senhor vista em todo sua perfeição,
por graça especial lhe devia ser dado, como a outro que fosse de muitos
mais dias. E que para isso lhe entregava alli mui livremente, e sem
cautella, seu Regimento.» Metendo-lhe logo com rostro mui alegre a
vara da justiça nas mãos, que em giolhos e com muito acatamento lhe
beijou.
E depois d'El-Rei ser recolhido á sua camara, onde era o Infante D.
Fernando, seu irmão, e o Infante D. Anrique, seu tio, com outros
muitos senhores, o Infante D. Pedro, praticando com elle a maneira que
d'hi em diante teria em reger, El-Rei depois de bem ouvir, lhe pediu
que até vêr o que n'isso poderia fazer, elle inteiramente mandasse e
fizesse em seu nome o que d'antes fazia; porque receava de per si só
sem sua ajuda ou d'outrem não poder com tamanho cargo.
E de hi a tres dias se fez na ordenança passada outro ajuntamento, em
que o mesmo doutor Diogo Affonso em nome d'El-Rei fez outra falla,
porque sustancialmente se declarou «que havia por recebido em si do
Infante D. Pedro seu tio e padre o inteiro regimento de seu reino,
dando-lhe, por isso com largo recontamento de seus muitos serviços e
merecimentos, grandes agardecimentos com muitos seus louvores,
outorgando-lhe não sómente auctorisadas quitações de todo o tempo de
sua governança; mas ainda por maior sua honra, que ficasse em registo
por verdadeiro e claro testemunho, da obrigação em que por isso ficava
a elle e a seus filhos, com todolos que
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