Chronica de el-rei D. Affonso V | Page 6

Rui de Pina
e abatido, e o Condestabre porque viu tempo que
lh'o assi aconselhava, ordenou de os fazer lançar e desterrar fóra do
reino, e acabou com El-Rei que escreveu ao Regente com as razões e
causas com que sentio que o mais obrigaria, pedindo-lhe para isso
ajuda de gente d'armas por seu messegeiro, o qual Infante teve sobre o
caso bom conselho em Tentuguel, onde elle foi de sua vontade movido
para ir em pessoa; e porque foi em contrairo aconselhado,
determinou-se que enviasse o senhor D. Pedro seu filho que era
Condestabre, em edade de XV annos, e a mais formosa nem melhor
proporcionada creatura que se podia vêr de seu tempo, ao qual foram
ordenados dois mil homens de cavallo, e quatro mil de pé, e com elle
estes fidalgos principaes: D. Alvaro de Castro que depois foi conde de
Monsanto, e Lopo d'Almeida que depois foi conde d'Abrantes, e D.
Duarte de Menezes que depois foi conde de Viana, e Diogo Soarez
d'Albergaria, e Fernão Coutinho, e João de Gouvêa, e outros muitos
fidalgos e cavalleiros da côrte, em que ia a frol d'ella.

E porque o sr. D. Pedro não era cavalleiro, quiz o Infante seu padre que
o fosse da mão do Infante D. Anrique seu tio, que era em Lagos, e foi
para isso chamado a Coimbra, onde logo veiu e este ajuntamento se fez,
e sobre qual dos Infantes devia fazer aquelle auto de Cavallaria, houve
entre elles uma perciosa, mas mui honrada e maravilhosa contenda.
Porque cada um parecia que minguava em seus merecimentos, por
acrecentar nos do outro, e cada um se alegrava ser n'elles do outro
vencido para que o fizesse, e em fim o cargo ficou ao Infante D.
Anrique e não sem merecimento; porque em seu tempo muitos
Principes foram de mais terras, gentes, e rendas, mas não houve em
seus dias algum ante quem elle em perfeição de virtudes, e bondade
d'armas, e esforço do coração se devesse contar por segundo, o qual
com novas cerimonias e grandes festas, armou Cavalleiro o
Condestabre seu sobrinho, no mosteiro de S. Jorge, que é junto com a
cidade sobre o Mondego. D'onde logo partio com mais gentes de sua
ordenança; porque alguma que falleceu, se refez toda com elle em
Cidad Rodrigo, primeiro lugar de Castella por onde entrou. E certo
d'armas, cavallos, livré e arreios, foi gente mui luzida e mui aparelhada
para fazer um bom serviço.
El-Rei D. João de Castella, para execução do que desejava, tinha já
cercados na villa de Olmedo a El-Rei de Navarra, e ao Infante D.
Anrique seus cunhados, com muitos e grandes senhores de Castella. Os
quaes esforçados na muita gente que comsigo tinham e confiados que
pela antiga criação e conhecimento que tinham d'aquelle reino, e assi
pelo desamor que geralmente tinham ao Condestrabre, que as gentes
d'El-Rei quando os vissem em rompimento e perigo os ajudariam, e
temendo outrosi a gente de Portugal, que tambem ia sobr'elles, e vendo
que por isso o cerco por muitos inconvenientes lhe não cumpria,
determinaram poer seus feitos em ventura, e dar, como deram, batalha a
El-Rei, em que foram de todo vencidos, d'onde o Infante D. Anrique
sahiu ferido em um braço, de que a poucos dias falleceu em Aragão. E
El-Rei de Navarra se acolheu fugido a seu reino sem mais vir a Castella;
ainda que o depois muito procurasse.
D'este caso assi como passara foi o senhor D. Pedro em Cidad Rodrigo
avisado. Sobre o qual os do conselho d'El-Rei, que com elle eram,

praticaram o que fariam. E acordaram que deviam todavia proseguir
sua viagem como fizeram, e que do caso acontecido avisassem logo
El-Rei seu Senhor, e a El-Rei de Castella notificassem sua ida. E com
isto feito foram fazendo suas jornadas, até chegarem á cidade de Touro,
onde o Condestabre D. Pedro houve resposta d'El-Rei de Castella, em
que lhe rogava, que assi como vinha o fosse vêr, como foi, á villa de
Maiorca, onde já com toda sua côrte estava, e em seu recebimento lhe
foi feita honra mui assinada; porque El-Rei com toda sua côrte sahiu ao
receber, mui contentes de vêr um Principe em todo tão proporcionado,
em que muito acrecentava a graça das ricas armas em que ia vestido. E
depois de passarem alguns dias, em que d'El-Rei e dos grandes de seu
reino, foi com muitas honras e festas tratado, El-Rei com os
aguardecimentes que em sua ida cabiam, lhe disse: «Que pois seu
serviço lhe não era necessario, que se poderia tornar para Portugal. E
como quer que o Condestabre muito insistisse para ficar e o servir;
como d'El-Rei seu Senhor, e do Infante seu padre trazia ordenado,
El-Rei não quiz, posto que lhe requereu e desejou que com a gente
sómente que para
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