Chronica de el-rei D. Affonso V | Page 8

Rui de Pina
d'elles descendessem; porque
conhecia e declarava que nunca algum Principe fôra no mundo com
tanto amor e em tanta perfeição criado, nem em manhas e costumes
reaes tão bem ensinado, nem com tanta lealdade e obediencia servido e
tratado, como elle sempre fôra do Infante D. Pedro seu tio e padre;
porém porque elle ainda não tinha idade para per si só reger sem perigo
de si mesmo e das cousas que regesse, nem tivera a pratica e
esperiencia d'ellas como para Rei cumpria, e era por isso necessario
tomar alguma pessoa que no regimento o insinasse e ajudasse, e por
todos respeitos, causas e razões, não havia em todos seus reinos outro
para isso mais pertencente que o mesmo Infante D. Pedro, que elle de
seu proprio moto, sem lembrança nem requerimento d'alguem o
escolhia para isso, e havia por seu serviço e por bem de seus reinos que
elle Infante tornasse com elle a reger e governar seus reinos, assi como
d'antes fazia, até elle se sentir em desposição para per si só o poder

fazer, mandando que a obediencia que em regendo sempre lhe
guardaram, essa d'hi em diante lhe guardassem muito mais
inteiramente.»
E aos grandes e povos de seus reinos que eram presentes, em sua
presença mandou muito agardecer por lhe requererem e darem por
mulher a filha do Infante D. Pedro seu tio e padre, de que sobre todalas
cousas do mundo, por muitas razões era mais contente; mas porque este
seu casamento quando primeiramente foi em Obidos celebrado, por
ventura por se fazer ante de haver idade cumprida e necessaria, para
isso sem sua aprovação pareceria defeituoso, elle que então a tinha já
para isso de todo perfeita, o aprovava e consentia, como se n'aquella
hora de seu prazer, e com sua inteira liberdade novamente o fizesse.

CAPITULO LXXXVII
De como as filhas do Infante D. João foram casadas
E no começo do anno de mil e quatrocentos e quarenta e sete, o Infante
D. Pedro se partiu com El-Rei da cidade d'Evora, para o lugar das
Alcaçovas, onde por concerto veiu a Infante D. Isabel, mulher do
Infante D. João, e trouxe comsigo duas suas filhas, que alli ambas
juntamente casaram; D. Isabel que era maior com El-Rei de Castella,
por Garcia Sanchez de Toledo, que como seu procurador e embaixador
a recebeu, e D. Briatiz com o Infante D. Fernando, por elle mesmo. E
do casamento que prometeu a El-Rei de Castella, que foi cem mil
florins d'Aragão, se seguiu a este reino pouca despesa; porque os
recebeu El-Rei de Castella em desconto do soldo que era obrigado
pagar á gente do soccorro, e da ajuda que El-Rei de Portugal lhe enviou
com o Condestabre seu primo, como atrás já disse.
E no Maio d'este anno, que era o tempo da entrega da Rainha, em que
se concertaram El-Rei e o Infante seu irmão, com todolos senhores e
pessoas principaes do reino, fizeram em Lisboa por honra da Rainha
umas grandes festas, acabadas as quaes, o Infante D. Pedro,
acompanhado grandemente, levou a Rainha a Coimbra, onde foi

festejada, e d'hi á villa de Pinhel que é em Portugal, onde era
concordado que El-Rei de Castella havia de vir em pessoa, para lhe ser
alli entregue e a levar, e elle não veiu, de que com palavras honestas e
de receber, se enviou escusar por certos senhores e grandes de seu reino,
a que a Rainha com seu poder e auctoridade foi entregue, e lh'a
levaram.

CAPITULO LXXXVIII
Como El-Rei por meio do duque e de seu filho o conde d'Ourem pediu
ao Infante o Regimento do Reino, e como inteiramente lh'o leixou
O duque de Bragança, e conde d'Ourem, e o Arcebispo de Lisboa com
outros de sua valia, não ficaram sem grande paixão de ser o Regimento
do reino outra vez tornado ao Infante D. Pedro, e o duque publicamente
por Gonçalo Pereira, que se dizia das armas, o contrariou nas côrtes por
uns apontamentos que a ellas enviou. Mas não foi então ouvido; porque
o coração d'El-Rei ainda não era de falsos testemunhos corrompido,
nem cheio das erradas suspeitas contra o Infante, como ao diante foi.
Mas em fim taes rodeios tiveram, principalmente o duque e conde
d'Ourem, e taes incitadores buscaram e meteram secretamente ás
orelhas d'El-Rei, que o comoveram para o que quizeram, que foi
requerer, como requereu ao Infante D. Pedro que lhe leixasse
livremente o regimento, porque só sem outrem queria reger.
E o Infante bem conheceu que tal movimento, e a tempo tão antecipado
não nascera na propria vontade d'El-Rei, mas que fôra n'ella semeado
por engenho de seus imigos. E porém lhe disse que elle era d'isso mais
ledo e mais contente, do que por ventura lhe fariam crêr que o elle
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