tratava, nem acatava como a rei
superior se devia.
E d'estas voltas de fortuna que a Rainha D. Lianor viu padecer aos
Infantes seus irmãos, foi da esperança que n'elles tinha desesperada de
todo, e vendo-se já mal olhada d'El-Rei e da Rainha sua irmã, e com
pouca sua ajuda, foi-se da côrte para a cidade de Toledo, d'onde
constrangida já de grandes minguas que a apertavam, soltou quasi toda
a gente que tinha, encommendando os filhamentos e vivendas de seus
criados a aquelles senhores de Castella com que cada um mostrava ter
mais contentamento de viver.
Alli veiu a Rainha a tanta necessidade e pobreza, que para seu
suportamento lhe conveiu receber ajudas em pão e dinheiro d'alguns
Prelados e donas viuvas d'aquelle reino, em especial de uma D. Maria
da Silva de Toledo, senhora de nobre sangue e muita fazenda. E n'este
reino e em Ceuta sendo de suas necessidades sabedor D. Fernando de
Noronha, primeiro conde de Villa Real, e segundo capitão da dita
cidade; porque era de real sangue e mui nobre coração; principalmente
porque El-Rei D. Duarte o criara e acrecentara com muito amor, e asi
por elle ter com a Rainha divido mui conjuncto, a mandou visitar e
ajudar com uma boa somma d'ouro amoedado, de que por sua nobreza
e bom conhecimento foi de todos cá e lá mui louvado. Pelo qual a
Rainha sentindo-se já envergonhada de requerer, e cansada de esperar,
vendo os caminhos e remedios de sua esperança, com as mudanças de
seus irmãos de todo cerrados, houve-se de todo por mal aventurada, e
sobretudo por enganos mal aconselhada, e suspirando já por Portugal,
ao menos para lhe sua terra comer o corpo, fallou com Mossem Gabriel
de Lourenço, seu capellão mór, e com suas crenças, instrucção e poder,
o enviou a Albuquerque, d'onde por meio do conde d'Arrayollos
tratasse alguma concordia com o Infante D. Pedro, ao qual Infante a
Rainha com palavras e cousas assaz piadosas, enviava já pedir, ao mais
consentimento e lugar para vir a estes reinos, e n'elles morrer, não
como Rainha, mas como sua irmã menor que se queria poer em suas
mãos, de que se contentaria receber o que elle quizesse, e lhe parecesse
razão.
O conde d'Arroyollos, como era homem virtuoso e de justa tenção,
acceitou com boa vontade o negocio, e o Regente a que o dito conde
por Vasco Gil, seu secretario, o notificou, o ouviu e recebeu com muito
melhor mostrança, e andando já em apontamentos com esperança de
bôa conclusão, chegou recado certo ao Regente, como a Rainha D.
Lianor fallecera na mesma cidade de Toledo, sexta-feira XIX dias de
Fevereiro de mil quatrocentos e quarenta e cinco.
Foi sua morte arrebatada, sem ter uma hora de accordo para o que á sua
alma e á sua fazenda cumpria, em que houve violenta presumpção que
fôra de peçonha; porque em lhe lançando uma ajuda, que por ser um
pouco achacada requerera, logo sem entrevalo nem repouso deu alma a
Deus. E a opinião dos mais foi que esta morte lhe ordenara, não o
Infante D. Pedro, como muitos maliciosos quizeram falsamente dizer,
mas o Condestabre D. Alvaro de Luna, por meio de uma mulher da
villa de Ilhescas, que em casa da Rainha tinha grande entrada e muita
familiaridade. Receoso que, se a Rainha vivesse, estando em a cidade
de Toledo, ordenaria como o Infante D. Anrique seu irmão, tornasse a
ella, de que fôra já lançado. Porque foi avisado que ella o procurava e
concertava já com Pero Lopez d'Ayala, que na cidade era alcayde mór,
e cavalleiro mais principal, crendo que se o Infante fosse senhor de tal
cidade, o Condestabre o havia por cousa muito contraira a seu desejo e
proposito, que era destrui lo e desterra-lo do reino com seus irmãos, e
por argumento d'isto, outro tanto se presumio do mesmo Condestabre,
que ordenara á Rainha D. Maria, mulher d'El-Rei D. João, que após sua
irmã não durou com vida mais de XV dias.
E esta Rainha D. Maria jaz sepultada na capella mór do mosteiro
d'Aguadallupe.
O Regente como soubesse do fallecimento da Rainha, enviou logo pela
Infante D. Joana, que ficara e estava em Toledo em grande desamparo,
e a foi ao extremo receber, e trouxe mui honradamente para Lisboa,
onde a poz em companhia da Infante D. Catharina sua irmã, em poder
de Violante Nogueira, e tomou para El-Rei todolos criados que ficaram
da Rainha, tirando alguns em que tinha suspeita e descontentamento.
CAPITULO LXXXV
Como o Condestabre filho do Infante D. Pedro foi enviado a Castella
com gentes d'armas, em ajuda de El-Rei de Castella contra os Infantes
d'Aragão, e do que se passou até tornar
Pela morte d'estas duas Rainhas o partido dos Infantes d'Aragão ficou
em Castella mui fraco
Continue reading on your phone by scaning this QR Code
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the
Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.