Chronica de el-rei D. Affonso V | Page 4

Rui de Pina

doação ou cousa assi autentica por que parecesse este Oficio de direito
lhe pertencer, que lh'a mandasse mostrar e que por alguma maneira lh'o
não tiraria. Alegando-lhe mais para sua satisfação e contentamento a
mercê de Bragança e de Castello d'Outeiro, que poucos dias havia que
recebera, ainda que de sua vontade a trespassara em seu padre, o que
elle assi consentira por ter razão de o mais cedo fazer duque depois da
morte de seu padre, que por curso de natureza, segundo sua muita
edade não podia já muito tardar, e que por hi elle ficaria duque, e tres
vezes conde com outros senhorios e terras, de que para a estreiteza de
Portugal se devia haver por muito acrecentado, honrado e contente. E
que portanto lhe rogava, que por amor d'elle não se descontentasse em
seu filho haver este Officio, em que bem cabia por muitos respeitos, e
isto porém fosse quando não houvesse tal firmeza, porque de direito lhe
pertencesse; porque se a houvesse fosse certo que seu filho lh'o
leixaria».
E em fim o conde d'Ourem não mostrou o que por ventura não tinha;
porém tamanho descontentamento e agravo mostrou que do Infante por
isso recebia, que nunca depois quiz vir á sua casa, e menos á côrte
d'El-Rei emquanto elle regeu, e este odio do conde d'Ourem foi a causa
principal da morte e destruição do Infante D. Pedro, como se dirá.

CAPITULO LXXXIII
De como foi a morte do Infante D. Fernando que era captivo em Fez
E n'este anno outrosi de mil e quatrocentos e quarenta e tres, veiu
certidão da morte do Infante D. Fernando, que era posto por arefens em
Fez, e segundo o testemunho que de sua vida e morte deram os

christãos que com elle ficaram, homens fidalgos e pessoas de muito
credito, certo de crêr é piadosamente que morreu santamente, e com
esperança de ser santo e bem aventurado. E porque Deus por sua
piadade e em galardão de seus merecimentos, segundo fé de muitos fez
evidentes milagres, e a morte antecipou os naturaes dias de sua vida
com a aspereza do trato e máo captiveiro que padeceu por mandado de
Lazarac Marym, crú e máo tirano de Fez, que por ser vil e de nenhum
sangue real, com muita sede e grande fome o fazia servir em oficios
baixos e vis, e com tal estreiteza, que em uma masmorra e prisão mui
escura acabou n'este mundo a vida, para nosso Senhor lhe dar no outro
outra melhor e mais viva, que em sua gloria durará para sempre.
A morte d'este Infante por sua calidade e desamparo foi muito sentida e
pranteada n'este reino, e principalmente dos Infantes seus irmãos, que
lhe mandaram fazer mui honradas e solemnes exequias e saimento, e
seu corpo metido em um ataude, esteve muitos tempos pendurado por
cadêas sobre uma porta da cidade de Fez, e depois por convenção que
se fez, foram seus ossos trazidos a estes reinos em tempo d'este Rei D.
Affonso, no anno de mil quatrocentos e LXXIII, e depois da tomada de
Arzilla; os quaes de Lisboa foram levados com grande honra e
solemnidade ao mosteiro da Batalha, em que tem sua sepultura especial
e honrada na capella d'El-Rei D. João seu padre. Onde por signal que
acabou como catholico e mui fiel christão, ha grande credito que nosso
Senhor fez, e faz por elle muitos milagres.
Por morte d'este Infante D. Fernando ficou vago o Mestrado d'Avis, de
cuja governança e administração, D. Pedro, filho do Regente, foi a
suplicação d'El-Rei por auctoridade Apostolica provido.

CAPITULO LXXXIV
De como foi a morte da Rainha D. Lianor em Toledo, estando já para
se tornar a Portugal
No anno de mil e quatrocentos e quarenta e quatro, vendo-se El-Rei de
Castella em poder dos Infantes d'Aragão seus cunhados, roubado da

liberdade e senhorio que a sua dinidade real pertencia, tinha a elles
grande odio e desamor, e para se em alguma maneira d'elles isentar,
ordenou por conselhos e modos do Condestabre D. Alvaro de Luna de
mandar como mandou por visorei á comarca de Andaluzia ao Infante D.
Anrique, provendo-o para isso de poderes fingidos com fundamentos
falsos, dando-lhe a entender que assi cumpria para sua mais honra e
mór segurança, onde por engenho do dito Condestabre e mestres de
Alcantara e Calatrava seus contrairos, e com gente de Sevilha e outra
muita que o Infante D. Pedro d'estes reinos lá mandou, foi em todo
desobedecido, e em desbaratos que houve mui mal tratado, e d'esta vez
se tomou Carmona, e em tanto se conformou o Condestabre com outros
grandes senhores d'aquelle reino que para isso se ajuntaram por força
d'armas, e tiraram El-Rei do poder e sobgeição d'El-Rei de Navarra,
que segundo o que se via não o
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