Chronica de el-rei D. Affonso V | Page 3

Rui de Pina
em que havia muitas bondades e virtudes sem algum
vicio que as minguassem, em especial era muito amigo do bem
commum d'estes reinos, que por elle mostraram claros signaes da perda
que n'elle perderam.
E o que de sua morte e privação mostrou sobre todos ser mais triste e
anojado, foi o Infante D. Pedro que era em Coimbra, onde como soube
de seu fallecimento, cahiu de verdadeiro nojo em cama á morte, não
havendo em sua enfermidade outra causa, e não era sem razão; porque
eram irmãos que sem cautella e mui verdadeiramenta se amaram, e
foram sempre em todo mui conformes, e o amor que o Infante D. Pedro
lhe tinha não ficou sem experiencia de ser mui conhecido; porque não
sómente na vida, mas depois da morte muito mais claro em todas suas
cousas lh'o mostrou; porque do Infante D. João ficaram tres filhas e um
filho. O filho houve nome D. Diogo, a que o Regente logo em nome
d'El-Rei fez Condestabre, e deu o Mestrado de Santiago com todalas
rendas e cousas que o Infante seu padre tinha, e falleceu logo muito
moço, e a filha maior a que chamavam D. Isabel, que de virtudes da
alma e perfeições do corpo foi em todo cumprida, casou com El-Rei D.
João de Castella, que sendo elle de edade de quarenta annos a houve
por segunda sua mulher, de que nasceu real geração e sobre todas mui
excellente. E a segunda filha do Infante D. João houve nome D. Breatiz,
esta casou o Infante D. Pedro com o Infante D. Fernando, irmão
d'El-Rei D. Affonso, de que houveram por filhos, a sobre todas mui
virtuosa a Rainha D. Lianor, mulher que foi d'El-Rei D. João o segundo
d'estes reinos de Portugal, e El-Rei D. Manoel nosso Senhor, que por
fallecimento d'outro legitimo herdeiro, directa e ligitimamente os
sobcedeu. E a terceira filha do Infante D. João se chamou D. Filippa,
que sem casar, casando e fazendo muito bem a seus criados e criadas,
acabou virtuosamente sua vida.
N'este anno estando o Regente com El-Rei na cidade d'Evora, falleceu

sem herdeiros um D. Duarte, que foi senhor de Bragança, e tinha o
castello d'Outeiro de Miranda; veiu logo á côrte o conde de Barcellos, e
pediu este senhorio e castello ao Regente, o qual se escusou d'elle por o
ter já promettido ao conde d'Ourem seu filho, que no requerimento se
antecipara primeiro, e porém logo entre o pae e o filho houve n'isso tal
concordia, que o conde d'Ourem por ser filho maior esperando todo
sobceder, juntamente desistiu da promessa e por prazer do Regente a
passou ao conde de Barcellos, que logo pelo dito Infante D. Pedro foi
feito e intitulado duque de Bragança. Mas não se seguiu assi, porque o
filho que era moço, falleceu primeiro que o pae que era já mui velho,
como se dirá.

CAPITULO LXXXII
De como falleceu o filho do Infante D. João que era Condestabre, e
como o filho maior do Infante D. Pedro foi d'aquella dinidade provido,
que foi causa e fundamento da morte do dito Infante D. Pedro
E no começo do anno seguinte de mil e quatrocentos e quarenta e tres,
falleceu de febre continua D. Diogo, filho do Infante D. João, cuja
herança e casa passou logo a D. Isabel sua irmã maior, e depois porque
casou com El-Rei de Castella, passou por contrato á filha segunda D.
Briatiz, casada com o Infante D. Fernando, como disse.
E o Infante D. Pedro, porque do Infante D. João não ficara outro
herdeiro barão, fez com El-Rei que proveu logo do Oficio de
Condestabre a D. Pedro seu filho maior, e o conde d'Ourem
fundando-se em razões que não provou, enviou pedir a mesma
denidade ao Infante D. Pedro seu tio, dizendo-lhe, «que o seu avô o
conde Nuno Alvares Pereira houvera este Oficio, para si e para todolos
que d'elle decendessem. E que por quanto d'elle não ficara filho barão
que o herdasse o houvera o Infante D. João, não como filho de Rei, mas
como quem casou com sua neta, e que como quer que a elle conde
d'Ourem mais que a outrem de razão pertencesse, por ser neto barão e
maior do Condestabre; porém que o leixara então de requerer, porque
para se haver não fizera diferença entre o Infante D. João e si mesmo;

mas agora que por sobcessão de barão ficava distinto, e a elle pertencia
como a principal ramo que do tronco do Condestabre ficava, lhe pedia
que o provesse d'elle».
E o Regente lhe respondeu «que El-Rei seu Senhor tinha já d'elle feito
mercê a D. Pedro seu filho, para quem elle o pedira, para em algum
cargo de honra ter mais razão de o servir; porém que se hi houvesse
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