Chronica de el-rei D. Affonso Henriques | Page 8

Duarte Galvão
Senhor, como quer-que álem da
grandeza da materia, me haja de ser trabalho, e difficuldade ajuntar, e
supprir cousa de tantos tempos, desordenada, e falecida, e para haver de
emendar escritos alheios, vejo que armo sobre mim juizos de muitos;
porém pois V.A. o ha tanto por bem, e serviço seu, e de seus
Antecessores, mui de vontade me puz a faze-lo, sendo certo, que
haverei ante elle grado se não de sufficiencia, ao menos de obediencia,
pois por comprir seu mandado, no que muito me não atrevo fazer, me
não pude, nem soube negar.

LICENÇAS
DO SANTO OFFICIO
Vistas as informações, pode-se imprimir (menos o riscado) a Chronica
do Senhor Rei D. Affonso Henriques, que compoz Duarte Galvão, e
depois de impressa tornará para se conferir, e dar licença para correr,
sem a qual não correrá. Lisboa Occidental, 23 de Julho de 1726.
Rocha.--Fr. R. de Allencastre.--Cunha.--Teixeira.--Silva.--Cabedo.
DO ORDINARIO
_Approvação do Reverendissimo P. Mestre Fr. Joseph de Sousa,
Religioso da Ordem de Nossa Senhora do Carmo, Lente jubillado na
Sagrada Theologia, Qualificador do Santo Officio, Prior que foi do
Real Convento do Carmo de Lisboa Occidental, Vigario Provincial
Apostolico, que foi da dita Provincia, Provincial, Commissario,
Visitador Geral que foi da mesma Ordem nestes Reinos, &c_.
Illustrissimo e Reverendissimo Senhor
Li a Chronica do Invictissimo Monarca o Serenissimo Senhor D.
Affonso Henriques, de santa e eterna memoria, famoso conquistador, e
primeiro Rei de Portugal, a qual quer dar á estampa Miguel Lopes

Ferreira, dignissimo do titulo de Vivicador das glorias de Portugal, pois
que zeloso da fama Regia, por meio do Prelo intenta resuscitar as
memorias daquelle seculo dourado, em que Portugal no berço da sua
infancia, com maior fortuna, que a do valeroso Alcides no da sua
meninisse, soube despedaçar innumeraveis Hydras Africanas, que em
varios recontros, capitaneados por dezoito Reis, e um Emperador de
Marrocos Almiramolim, em formidolosos exercitos intentaram cortar
os venturosas progressos, com que ia sacudindo o forte jugo do perfido
Mauritano. Mas a pezar sentidissimo de Mafoma, em tão perfiados
recontros, e em tão sentidas batalhas, havendo em algumas quasi cem
Mouros contra cada um só Portuguez, ficaram sempre os Mouros
inteiramente destroçados, os seus Reis vergonhosamente vencidos, e só
Portugal gloriosamente triumfante, e senhor pacifico não só das terras,
que pela repartição dos Estados tocavam á sua Monarchia, mas de
muitas, que pertenciam á de Hespanha, porque de umas, e outras, á
força de forte braço, e duro ferro fez largar a iniqua, e injusta posse,
que havia muitos seculos, desde a sempre lacrimosa perda de Hespanha,
logravam os Agarenos: protegido sempre daquelle destemido Capitão,
e valerosissimo Heroe D. Affonso Henriques, que efficazmente
soccorrido da mão Omnipotente do Senhor dos exercitos, na miraculosa
apparição do Campo de Ourique quando batalhou com cinco Reis
Africanos, ficou seu valente braço revestido de uma fortaleza tão
desmedidamente grande, que já vibrando a lança, nunca tirou bote, que
não fosse inexoravel desizivo da morte, já empunhando a espada não
descarregou golpe, que não fosse infeliz Parca da vida. E sendo tal o
esforço de seu braço, que o manejo das Armas, não era menos o valor
do seu coração para o exercicio das virtudes: porque foi constantissimo
no da Justiça administrando-a, e fazendo-a guardar rigorosamente aos
seus povos, sem que o continuo exercicio de Marte lhe embaraçasse as
execuções de Nemesis, mas antes, que com a espada sempre
empunhada representava um vivo simulacro da Justiça. No da
Humildade foi singular, porque sem respeito aos sacros decoros da
Magestade, familiar, e urbanissimamente com palavras, e obras, como a
companheiros e amigos a todos os seus vassallos, tratava carinhoso, e
careciava benigno. No da Liberalidade foi magnifico, porque quando
nas campanhas, os ricos despojas das batalhas, (e não foram poucos)
primeiro os enfardelavam os soldados, do que elle se redimisse com

parte das coroas dos triunfos, porque até destes repartia seu nobre
coração com os que o ajudavam a vencer; e quando na Corte, dos seus
Erarios eram chaves mestras os merecimentos de seus vassallos. No da
Misericordia foi insigne, porque não cabendo já nos limites de seu
estado, lá se dilatou para o Hospital de Jerusalem com oitenta mil
dinheiros de ouro (que nem tudo lhe consumiam as guerras
consumindo-lhe as guerras muito) para emprego de que annual, e
perpetuamente rendessem para sustento dos pobres, que nelle se
alvergassem. No da Piedade foi magnanimo, como testemunham entre
muitas Igrejas que fundou os Reais Mosteiros de S. Vicente de Fóra em
Lisboa, o de Santa Cruz em Coimbra, e o de Alcobaça, aos quaes dotou
de amplos Senhorios, e copiosissimos patrimonios. No da Religião,
todo este livro é breve compendio dos vastos dominios que conquistou
para as cearas da Igreja; instituindo de muitos delles o nobilissimo
Bispado de Coimbra, e o Illustrissimo de Lisboa, que offereceu ao
Romano Pontifice adiantando-se
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 66
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.