Chronica de el-rei D. Affonso Henriques | Page 7

Duarte Galvão
antes sabidas, nem de nós
conversadas, o que nem aquelle grão Rei Alexandre Conquistador do
mundo, nem Carthaginenses Senhores Dafrica, e grande parte Deuropa,
nem Romãos, que todos os outros passaram em senhorio, poderam
alcançar trabalhando-se desso, como se lê, nem esso mesmo fazer
vossos Antecessores em sessenta annos com muitas mortes de gentes,
grandes despezas, e continuadas diligencias, o que se fez, e comprio
nos primeiros dous, e tres annos de vosso Reinado trigando-se
(segundo parece) a Divina Clemencia a manifestar este grande mysterio,
por elle em vosso tempo predestinado, pelo qual quiz que em tão breve
espaço se fizesse de uma só viagem, e por os primeiros, que a esto
mandastes, outro tanto caminho, para achar a India, como em sessenta
annos estava feito, no que, Senhor, grandemente servistes a Deos,
ganhaste perpetua honra, nobrecestes vosso Reino, obrigastes o mundo,
fazendo que em muita parte não sabida, o mundo soubesse parte de si
mesmo, e por conseguinte de seu Creador, e Redemptor, o qual por sua
infinda piedade, e amor que sempre mostrou ao bem, e honra destos
Reinos, ordenou, que por vossas mãos se supprisse pelo mundo outra
quasi segunda Prégação dos Apostolos, para notificação de nossa Fé,
renovada ás gentes, que apoz seus peccados depois de recebida
perderam, e necessaria para outra, que a nunca houveram, e de
necessidade hão de haver, segundo affirma Santo Agostinho, que em
tempo dos Apostolos não foi prégada a Fé de Christo por todo o mundo,
nem até seu tempo, quatro centos annos despois, dando logo em prova
desso muitas gentes em Africa donde elle era, como pelos Cativos, que
se de lá traziam era manifesto, e que em todo caso a dita universal
manifestação havia de ser, para se comprir, o que nosso Senhor disse,
que seu Evangelho havia de ser notificado por o mundo universo ante
do fim, em testemunho a todalas gentes, segundo se ora assás confirma
por vossa navegação e conquista o qual mysterio traz consigo grande
mostra, e pronostico de ser, não sómente para convertimento de muitos
infieis, mas ainda para desfazimento, e destruimento da Mahometica
secta consirado bem, Deos seja louvado, os começos, e proseguimentos
de seus maravilhosos effectos.

Muitos outros louvores, Serenissimo Rei, apontaria de vossas mui
singulares obras, e virtudes mui compridas, se tão facil me fosse
poder-lhe dar cabo, quão facil me é achar-lhe começo, e se a elle não
aprouvera faze-los mais sobidos, e manifestos por vossas obras, do que
poderiam ser por minhas palavras, mas hi ficará tempo, e lugar para
com sua graça se poderem dizer em vossa Chronica mais
compridamente, com todo, Senhor, é-me forçado dizer ainda de vossas
virtuosas obras uma necessaria á presente materia, a qual é, mandar-me
V.A. mui afficadamente, que os notaveis feitos dos mui esclarecidos
Reis vossos Antecessores, escritos, e postos por negligencia de
Escritores, ou culpa dos tempos, não só em menos polida, mas ainda
em desordenada, e acerca não achada memoria, os quizesse ordenar, e
escrever, e quasi trespassar, e a mais honrados Jazigos, e sepulturas,
como é meu desejo para vosso serviço, e na confiança que me nesso V.
A. mostra muito para folgar, mas para nella presumir sufficiencia não
mais de atrever, que quanto está conhecido, que tão grandes, e
verdadeiros louvores participados de tanta graça Divinal, não pode
nhum humano falecimento apouquenta-los, nem faze-los menos da
verdade toda humana eloquencia, sem receo de nhum prasmo deve de
folgar achar-se vencida de tão excellente materia, cujo mui estimado
pezo mais é de culpar quem não queira, que quem não possa leva-lo;
porque ainda não leixará de precalçar muito louvor, e contentamento
quem de tão nobres, e louvados feitos fizer lembrança, que foram,
posto que não abaste dinamente faze-la de quão louvados foram, pois a
grandeza de seu louvor por elles mesmos milhor se póde estimar, que
dizer. Escuzo aqui poder pela ventura parecer este carrego, e serviço
menos da maneira, e estimação de meus serviços; porque certo amor, e
vontade, sobeja não acha serviço minguado, nem devem de mais para
os Principes, cujas causas por grandes que sejam, não devem tolher
atrevimento, maiormente quando por algumas rezões necessarias a seu
mais serviço se mandam, a quem sem ellas poderiam ser escusado
mandar-se, assi que, Senhor, esto que me V.A. manda fazer se deve a
meu juizo antre outras vossas louvadas obras muito estimar, e haver por
outro quasi novo descobrimento, e renovação de cousa ácerca perdida,
que tanto devia estar sã, e alumeada como cousa principal do mui
devulgado bem, e honra que vossos Reinos tem, e logram, no que não
menos, que em todas outras cousas esclarece vosso grande louvor,

porque bem se mostra povoado de muitas virtudes, e não invejar as
alheias, quem as dos outros muito ama, e assi as manda renovar, e
apregoar, pelo qual, Serenissimo
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