Chronica de El-Rey D. Affonso II | Page 7

Rui de Pina
cerco
padeceram, pediam contra elle restituição, e assi segurança perpetua de
suas Villas, e Castellos, e gram soma de maravedis, que naquelle tempo
era moeda douro assi geral, e praticada como neste agora são na Europa
os cruzados, e ducados, porque sessenta delles faziam um marco douro,
como já em outras partes tenho dito, e ás petições das ditas Senhoras,
veo El-Rei por seu procurador com exceições, e contrariedades, e
compensações sobre que de uma parte, e da outra foi dito, e assás
alegado, e sobre seus alegados foi o feito concruzo, e os Juizes
remeteram a publicação da final sentença para Melgaço, Castello de
Portugal no extremo de Galiza, a que mandaram que El-Rei, e as
Ifantes fossem por si, ou por seus procuradores, onde no Maio seguinte
a publicaram, e foi El-Rei condenado por a dita sentença em grande
soma de dinheiro, e doutras emendas, e depois que passou o termo para
a paga, assinado, pozeram em El-Rei sentença Dexcommunhão, e assi
antredito em todo o Reino, de que logo apelou, e depois de muitos
debates, e delongas, que em Roma, e Espanha sobre este caso passaram,
que não fazem a realidade da Estoria, finalmente El-Rei, e as irmãs se
concordaram por maneira, que as Villas de Monte mór, e Alanquer
ficaram com ellas segundo a disposição do testamento del-Rei Dom
Sancho seu pai, e as Villas e Castellos, e terras de Portugal, que El-Rei
de Lião tinha tomadas foram entregues, e restituidas a El-Rei Dom
Affonso. No qual meio tempo que durou esta divisão, e discordia uns e
os outros fizeram grandes, e danosas entradas, e muitos roubos nos

Reinos, uns dos outros, em que houve pelejas particulares sem alguma
façanha de notar, cuja longa, e expressa declaração não ponho ora;
porque para a sustancia da Estoria não é muito necessaria.

CAPITULO IV
Do fundamento que houve para Alcacere do Sal, que era de Mouros,
ser cercado, e tomado dos Christãos, e do Bispo de Lisboa
principalmente
Nos primeiros cinco annos que El-Rei Dom Affonso Reinou não se
acha, que socedessem outras cousas, salvo as desavenças, e desacordos
em que andou com suas irmãs, e irmãos e assi a guerra com El-Rei de
Lião, e com suas genetes como já disse, e passados os ditos cinco annos,
e andando a era de nosso Senhor em mil e duzentos e dezasete annos os
Christãos, que estavam na conquista dultra már por defenção, e
recobramento da Terra Santa, tinham muitas necessidades de concorrer
ás cruas guerras, e cercos apertados, que dos Infieis padeciam, para o
que os Summos Pontifice convocavam, e requeriam todolos fieis
Christãos de todalas nações, e vindo por mar a este soccorro muitas
gentes Dalemães, e Framengos, e outras de contra o Norte fizeram
todos uma frota de cento e cincoenta naos de que eram Capitães
principaes Iliquino, Conde Dolanda, e Georgeo, Conde de Frisa, com
que iam outros Senhores, e grandes homens, e sendo em mar, em través
de Portugal para demandarem o estreito de Cibraltar deu na frota tão
grande, e tão contraria tromenta, que algumas naos dellas se perderam,
e outras correram ao Cabo de S. Vicente até a Villa de Farão, a qual
com toda a Comarca, e Reino do Algarve ainda eram Mouros, e porque
o vento contrairo, e assi a terra de imigos, em que estavam, não lhes
traçavam bem para sua segurança, elles para dos danos, e perdas
recebidas se poderem milhor repairar fizeram volta, com fundamento
de se virem ao porto de Lisboa.
Sendo outra vez em mar, deu nelles outra tromenta mais aspera, e de
maior perigo que a primeira, em que já tambem perderam algumas naos
com toda a gente que nellas vinha, e a outra frota depois que a tromenta

cessou, e sobreveo bom vento de viagem, entrou toda via, e veo surgir
ante a Cidade de Lisboa, e os Capitães della assás tristes, e anojados,
pelas grandes perdas de gentes, e doutras cousas, que no mar tinham
perdidas, e sahindo logo Capitães com pouca gente em terra, o Bispo,
que então era de Lisboa chamado Dom Matheus, sabendo que eram
Christãos os recebeo, e tratou com muita honra, e bom acolhimento,
segundo a bondade de uns, e as necessidades dos outros requeria, de
que o Bispo logo soube o proposito com que vinham, que era por
soccorro, e ajuda da Caza Santa. E dahi a poucos dias este Bispo de
Lisboa porque era Prelado de mui bom espirito, e grande coração,
depois de ter juntos com seus rogos, e boa humanidade os principaes
destes Estrangeiros lhe disse.
«Honrados, e devotos Senhores, Deos sabe que a mim peza muito de
todolos nojos infortunios, que passastes, e o remedio por agora não é
outro salvo paciencia do passado, e esforço, e bom coração para o que
mais
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