Chronica de El-Rey D. Affonso II | Page 8

Rui de Pina
vier, vós vedes bem, quanto vos é contrairo o tempo para
seguirdes vossa proposta viagem, e desto por vossos Pilotos, e
mariantes podeis ser milhor certificados, póde ser, e eu assi o creo, que
Deos o premite assi para alguma cousa de seu louvor, e serviço, e
tambem de nossas honras, e proveito, e esto digo porque aqui junto ha
um Castello em poder de Mouros, que dizem Alcacere, de que esta
terra toda que é de Christãos recebe muito dano; se vos prouver pois
este feito, não é estranho doutros, que emprendestes, e a que his
ajudarnos nelle, assi como vejo que podeis fazer, e com vossa gente, e
ajuda de Deos principalmente, o ganharemos dos infieis, e pois a obra,
e o serviço é de Deos, elle por sua grandeza, e piedade vos dará delle
bom galardão, e nestas cousas sómente que tocam a vossa honra, e
salvação, aconselhai-vos com sizo, e com a devoção, e não com a
vontade carnal, porque assás de vergonhosa cousa será publicardes
pelas bocas bom dezejo para o servir, e as obras, que são tão possiveis
serem disso contrairas, e pois o lugar, e tempo se offerecem agora tão
despostos rogo-vos que elles não vos passem com ociosidade, ca bem
creo, que bem sabeis que ella é fundamento de todolos peccados, e
sepultura dos homens vivos, e corrução de todolos costumes, e
propositos virtuosos, e pois em vossos sobre sinaes que trazeis
mostraes serdes devotos, e servidores da Cruz, assi tambem é rezão que

sejais imigos dos imigos della, e vossas mãos fortes deem agora
verdadeiro testemunho da bondade, e fé de vossos corações, e esta
tomada de Alcacere, para que vos convido, e requeiro, será com a graça
de Deos assás possivel, se vós com vossas pessoas, e frota quizerdes
ajudar a nós, que com outra gente do Reino vos seremos em todo fieis,
e bons companheiros.»
Estas palavras, e outras muitas a estas conformes disse o Bispo aos
Estrangeiros, alguns dos quais depois de haverem antre si seu acordo, e
conselho tiveram oppinião contraira, e se partiram, e outros, que foram
os mais consentiram na proposição, e requerimento do Bispo, e lhes
aprouve ser na ida sobre Alcacere.

CAPITULO V
Como Alcacere foi cercado, e com que numero de gente Portuguezes e
tambem Estrangeiros
Aquelles Estrangeiros que foram dacordo com os Portuguezes de irem
sobre Alcacere se recolheram logo ás suas naos, e sendo aparelhados do
que lhes compria no mez de Setembro, se foram, e seguiram a barra de
Setuvel, que neste tempo era Lugar pequeno, e não era cercado, em que
pescadores sómente viviam, e da gente de Portugal se acha que foram
estes Capitães principaes, a saber este Dom Mateus, Bispo de Lisboa, e
Dom Pedro Mestre da Ordem da Cavallaria do Templo, e Dom Mestre
Gonçalo, Prior do Esprital, e Martim Barregam, Commendador de
Palmella, e estes levaram comsigo da terra, Comarca de Lisboa, e de
Evora, e de seus termos vinte mil homens, de que os mais eram de pé, e
alguns de Cavallo, e não se acha que El-Rei Dom Affonso, que então
Reinava em Portugal, fosse neste exercito em pessoa no qual tempo
parece que elle deveria ser doente, ou empedido por alguma outra
urgente causa, porque não pôde ser neste feito, e haveria por bem, e
mandaria que se fizesse prestes, como se fez, ca não é de crer, tamanho
feito sem seu mandado, e authoridade se cometesse, e o que se neste
caso achou, é que os Estrangeiros em navios, que poderam ir, foram de
Setuvel pelo rio acima até junto Dalcacere, onde saindo alguns para

tomar uvas, os Mouros, que da sua ida eram já bem avizados, com
armas lhe foram resistir, em que houve algum acometimento de peleja,
de que um Mouro se diz que ficou morto, e os outros se recolheram ao
Castello, e os Estrangeiros surgindo com seus navios mais ávante
poseram defronte da Villa suas pranchas, e sem resistencia sairam em
terra, e logo elles, e os Portuguezes que já tambem eram chegados,
juntos com devida deligencia e resguardo cercaram o Castello de
maneira que alguma pessoa não podia sair, nem entrar sem conhecido
perigo; mas os Mouros posto que com tanta estreiteza se vissem
cercados não mostravam ter por esso desmaio, nem temor, vendo que o
Castello em que estavam era de muros, Torres, barreiras, e a cava mui
forte, e bem provido, e acalcado de muitas gentes, e armas, e
mantimentos para grandes tempos, e por milhor seneficança aos de fora
de seu esforço, e confiança, poseram muitas bandeiras por cima do
muro de que em sinal de desprezo diziam feas palavras, e davam suas
costumadas gritas.
E os Christãos leixaram boa guarda sobre sua frota, que com gentes, e
armas ficou no porto bem
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