Cantos Sagrados | Page 4

Manuel de Arriaga
foi pelo mez do abrir das fl?res,?Quando a vida celebra os seus noivados,?E o mundo, sob os verdes cortinados,?Parece um doce thalamo d'amores!
Estava um dia esplendido! a animal-o?Eu via o seio azul do ceu mais lindo?Curvar-se sobre mim, ethereo, infindo?E tepido: era um gosto enamoral-o!
Como fecho da abobada infinita,?O Sol nos ceus, riquissimo objecto,?Com barras d'ouro irradiava o tecto?Do vasto pavilh?o que o mundo habita!
C?res variadas, fórmas differentes,?N'um conjuncto de gra?as sem egual,?Debuxavam-se ali ao natural?Sobre o crystal das ondas transparentes!
Alvas manchas d'insectos pequeninos,?Envolvendo-se em giros caprichosos,?Como tríbus de povos venturosos,?Fruiam junto ao lago os seus destinos!
Pelas balsas cantava a toutinegra,?E as rolas modulavam doces c?ros,?No ar passavam fremitos sonoros?Co'as vibra??es da Luz que o mundo alegra!
No lago, a planta, a fl?r, o ceu, a terra,?Como notas d'uma unica harmonia,?Revellaram-me á plena luz do dia,?Enlevos que o prazer da vida encerra!...
E eu via tudo, e extatico scismava:?Se por ventura a colera divina,?Segundo a Egreja ao mundo inteiro o ensina,?Do gremio dos felizes me affastava!...
E n?o podendo crer, embora obscuro?Vêr-me qual sou, que esta alma de poeta,?De tanto sonho explendido replecta,?Atollada estivesse em l?do impuro...
Ai! quando a Deus pergunto se prendeu?N'um pó que é vil o espirito divino,?Olho o espelho do lago crystalino?E n?o encontro o lago: encontro o ceu!
O mesmo que era em cima azul, immenso,?E a lampada brilhante que o alumia,?Lá no fundo do abysmo aos pés os via,?De sorte que em dois ceus era suspenso!
E quanto se ostentava em torno ao lago,?Os muros de verdura, a fl?r mimosa,?O deslisar da nuvem vaporosa,?E a voltear do insecto incerto e vago:
Outro tanto animava, ao longe, e ao perto,?Aquella regi?o d'azul vestida,?Onde a minha alma, em extasi embebida,?Contemplava na Terra um ceu aberto!
E emquanto extasiado a sós fitava,?Nas bellezas do lago transparente,?Aqui uma fl?r, além, para o poente,?A nuvemsinha branca que passava,...
Eis sen?o quando, uma ave, porque visse?Insectos junto da agua socegada,?Desceu subtil, aerea e delicada,?E ao perpassar ro?ou-lhe a superficie,...
O ponto ferido, em ondas borbulhando,?Desabrochou em curvas graciosas,?Como as folhas concentricas das rosas,?Ou lusidias cobras imitando!
E emquanto o impulso em torno se propaga?Em circulos risonhos: n'um momento,?Toda a cupula azul do firmamento?Oscilla, treme e cae, e o Sol se apaga,
E a arvore, e a fl?r, e quanto junto á margem,?Em doce paz, seu rosto reflectia?No crystalino espelho, por magia?Da lei do amor, a doce lei da imagem!...
Fere-me ent?o bem intima tristeza,?Ao vêr aos pés, em sordido tumulto,?Um lymbo verde e escuro onde occulto?Estava um ceu t?o rico de belleza!...
Lembrei-me ent?o da minha vida insana,?De quanto sonho lindo anda desfeito?Nos intimos arcanos do meu peito,?Co'o tropel das paix?es da vida humana!...
E as lagrimas cahiram-me uma a uma?Sobre esses bens que a Terra e os ceus inspiram,?E ao contacto das coisas se extinguiram?Como aereos bal?es feitos d'espuma!
N'isto o Senhor, que tudo vê e ampara,?Converte-me de novo o charco immundo?N'um ceu azul infindo, e n'elle um mundo?Formoso como os bens que imaginara!...
Scismei ent?o por longo espa?o e digo,?Que aos olhos meus por Deus f?ra patente:?Que a alma humana póde, ingenua e crente,?_Vivendo em paz, um ceu trazer comsigo!_
Ah muito embora a d?r seu peito opprima,?O espirito, que abrange o mundo inteiro,?Póde vêr, quanto justo e verdadeiro,?Nos seios d'alma os ceus que est?o por cima!
Maxima grande, maxima tamanha,?T?o repassada d'intima poesia,?Porventura d'egual sabedoria?á predica de Christo na montanha,
Ah! sê, por entre as sombras da desdita,?A ponte aerea, o arco d'allian?a,?Que, em vez da excommunh?o que a Egreja lan?a,?A Deus eleva a Humanidade afflicta!
Coimbra
Quinta de Santa Cruz
1871.
VII
MISSA PONTIFICAL
UM EVANGELHO
Sahi uma manh? mal vinha o sol rompendo,?E fui-me religioso a ouvir a missa ao campo,?á vasta cathedral do mundo, aonde aprendo?Da Vida as sacras leis, que em letras d'ouro estampo.
Sentei-me sob um bosque estenso e solitario,?Que, em paz e sombra involto, á quieta??o me envida;?O accaso conduzira-me a um vasto santuario,?Onde ia celebrar-se a communh?o da Vida!
Debaixo do docel da m?rmura floresta,?Se um culto universal é justo a Deus se vote:?Estava o templo augusto armado todo em festa,?Faltando unicamente agora o sacerdote!
O mundo em derredor aguardo-o co'anciedade...?E eil'o que chega, emfim, das bandas do oriente,?Surgindo como um Deus no azul da immensidade,?N'um carro triumphal, de raios resplendente!
Ao vel'o perpassou nas arvores sagradas?Um sopro mysterioso, o espirito do vento,?Que deixa-nos ouvir, em musicas toadas,?Psalmos que v?o morrer no azul do firmamento!...
Nos multiplos flor?es das trémulas janellas,?Nos ramos mais subtis que a luz dos ceus colora,?Com magico fulgor scintillam, como estrellas,?Os limpidos crystaes das lagrimas d'aurora!
Nas naves, que sustêm a abbobada elevada,?Penetra triumphante a luz, suprema artifice!?Interprete de Deus, celebra a sua entrada?Com pompas, do Universo o maximo pontifice!
Assim que o sol sahio das brumas do horisonte,
A pedra, o musgo, o insecto, a fl?r, os arvoredos,?Trocaram entre si mil intimos segredos!...
Os passaros gentis, aladas creaturas,?Soltaram festivaes Hossana nas alturas!...
O sol triumphador, do mundo a vida accorda,?E esplendido festeja o eterno _sursum corda_!...
Estava em plena festa a Terra, m?e
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