Cantos Sagrados | Page 3

Manuel de Arriaga
com o anceio,?Que é proprio do infeliz,?Um mal n'este meu seio?Lan?ar muita raiz!...
Espero vêr a morte,?Eu proprio a invoquei,?Levar-me d'esta sorte?Para onde?! é que eu n?o sei!...
Como eu n?o sei dizer-te,?E isto que me consol',?Como é que se converte?Em vida a luz do sol!...
Como nasce a ventura?Do homem que morreu,?Dormir na sepultura?Para acordar no céo!...
Aqui tudo é mysterio!...?Mas visto que assim é,?Onde ha melhor criterio?Que á luz da nossa fé?
E eu creio firmemente?Que o martyr de Jesus,?N?o fica só pendente?Dos bra?os d'uma cruz...
Que o homem que prosegue?A luz d'um Ideal;?Embora a turba o pregue?Na sua cruz fatal...
O céo é bem profundo,?O fundo nem tu vês,?E ha n'elle muito mundo,?Para onde irá talvez!...
A vida continúa,?E a alma, emquanto a mim,?Avan?a e n?o recúa?Por esses sóes sem fim!
Do sol se um raio ardente?No mar vier cahir,?Em nuvem transparente?Nós vêmol-o subir!
N?o ha suster-lhe o rumo?Que o leva para os céos,?E assim é que eu presumo?Voarmos nós a Deus!...
O ponto é merecel-o,?Que Deus é justo e pae,?E eu sei com que desvelo?A si os bons attrae!
Mas quando eu vejo a lua,?N?o sei que ideia má?N'esta alma me insinua?A luz que n'ella ha!...
Emquanto em torno d'ella,?Ao norte, ao leste, ao sul,?Refulge tanta estrella?Pela amplid?o do azul,
Tu vêl-a solitaria,?Em paz cruzando o céo,?Como urna funeraria?D'um mundo que morreu!.
Ali já n?o ha vida!...?Ali n?o ha calor!...?N'aquella luz, vertida?Em lagrimas de d?r,
Ha só tristeza e lucto,?E confrange-se e doe?O cora??o, se escuto?Mulher, porque isso foi!...
Ah, tenho medo?Que o Supremo Juiz?Nos julgue assim t?o cedo!...?N?o sei que voz m'o diz...
N?o sei... mas, se contemplo?Os crimes que ahi v?o,?Mulher, aquelle exemplo?Conturba o cora??o!...
E assim só n'outra parte?Ver?o os olhos meus?Os sonhos que reparte?Commigo a m?o de Deus!...
O mundo onde abre o cardo?E o lyrio ao mesmo sol;?Onde ama o leopardo?A par do rouxinol;
Que tem de andar na sombra?Para viver na luz;?E, o que inda mais m'assombra,?Onde ha Nero e Jesus:
Por mais bello e risonho?Que seja, ainda assim?N?o vale qualquer sonho,?Que trago dentro em mim!...
Isto é um fraco esbo?o?D'uma outra vida e crê,?Que sinto-a, mas n?o posso?Dizer-te onde ella é!...
Se a Vida em nós come?a,?Por esses sóes d'além,?Sobre a nossa cabe?a.?Trabalha-se tambem!...
Mulher! mulher! quem sabe?Se é isto o que m'attrae?Aos céos, pois, tanto cabe?A Deus, que é justo e pae...
Lisboa, 1870.
V
CONSCIENCIA
Para um homem que aspira?Ao ideal da Belleza,?N?o ha maior tristeza,?Magua maior n?o ha,?Que vêr escurecer-se-lhe?O ceu da noite escura?D'alguma ideia impura,?D'alguma paix?o má!
Paix?o que muitas vezes?A luz da nossa Ideia?Accende, inflama, atêa,?E depois nos attrae?Com tanto magnetismo,?Com tal encantamento,?Que o homem n'um momento?Vacilla, cega e cae!...
Cae, sim, do seio esplendido?Do mundo onde vivia?Na mais doce harmonia?Em paz co'os dias seus,?Para apagada a febre?Do seu fugaz delirio,?Achar-se co'o martyrio?De te perder oh! Deus!
Sem Ti, meu pae, que assombro!?Que noite t?o completa!?Que acerba d?r me inquieta?Meu fragil cora??o!...?Voltar a vêr a alma?D'esperan?as povoada,?E achal'a transformada?Em lugubre soid?o!
Senhor! se desabassem?á tua vóz as bellas?E limpidas estrellas?Dos ceus que n?o teem fim,?Eu creio que assombrado?Do horrendo cataclysmo,?O Sol, d'além do abysmo,?Seria egual a mim!
Eu lembraria a aguia,?Que a prole ainda implume?Deixando sobre o cume?De monte erguido ao ceu,?A fosse achar de subito?Na rocha alcantilada,?No ninho, fulminada?D'um raio que desceu!
Egual seria o quadro?Da minha consciencia,?Ao ver a tua ausencia?Fazer-se em mim, Senhor!?Que em volta do teu astro?Minha alma de poeta?é pallido planeta?Buscando o teu amor!
E eu sem ti nem vivo!...?Tu és, oh, doce esperan?a,?O seio onde descan?a?Meu ser e afinal?N?o sei até dizer-te?O quanto soffreria,?Se vira extincto um dia?Em mim, teu Ideal!
Oh n?o mil vezes antes?Em carcere ermo e escuro,?Achar-me de futuro?A sós c'a minha d?r;?Extincta a luz dos olhos,?E as bellezas do mundo,?E o ceu azul profundo?Com todo o seu fulgor!
Tu crê que nem demandam?Os mundos inferiores?Fócos de luz maiores,?Por esse infindo azul,?Como eu o eterno centro?Das leis da natureza,?Do _Amor_, e da _Belleza_,?Que s?o meu norte e sul!
Oh Pae! se n'algum dia,?Eu vir, n'uma miragem,?Alguma falsa imagem?Do Bem prender-me aqui:?Desvenda a tua face,?E mostra-me o teu seio,?Que, mesmo embora em meio?Do abysmo, irei a ti!
Irei, t?o instinctivo,?T?o amoroso e firme,?Eu sinto a attrair-me?A ti o teu poder,?Que eu vejo em ti o Norte,?Para onde se encaminha?A pura essencia minha,?Que sente, pensa e quer!
Irei vencendo, indomito,?Innumeros attrictos,?E escolhos infinitos,?E infindos escarceus,?Como essa vaga enorme?Do mar que n?o recua,?Seguindo sempre a lua?Que vê passar nos ceus!
Irei bem como a Terra?Seguindo eternamente?O rumo do oriente?A demandar a luz;?Bem como Jesus Christo?O rumo solitario?Da senda do calvario?á busca d'uma cruz!
Irei cá d'este mundo?Onde tu me cedeste?A dadiva celeste?Da Ras?o e do Amor:?Raios vitaes que mudam?Em luz a nossa essencia,?E a luz em Consciencia,?E esta em ti, Senhor!
Lisboa, 1869.
VI
REVELLA??O
O LAGO
Scismava um dia na cruel senten?a?Com que a Egreja fulmina a ra?a humana,?Deixando impura a fonte d'onde emana?O sangue que me anima, e a alma que pensa:
E ao passarem no ceu do meu destino?As nuvens da tristeza e da saudade,?Revellou-me o Senhor alta verdade,?Junto ás margens d'um lago crystalino!
Isto
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