Cantos Sagrados | Page 2

Manuel de Arriaga
respeito quasi religioso que sempre tivemos pela publicidade, por este momento sagrado em que entregamos aos outros as nossas ideias, as nossas opini?es, os nossos sentimentos!
Accaso ter?o direito a sel-o?! Irá n'elles alguma cousa que seja menos verdadeira, menos justa, menos bella?!
E, quando tal se dê, o que pensar?o de nós os que vierem a?julgar-nos?!...
Transmittindo a estranhos, sob as fórmas divinas da arte, o que havia de melhor no nosso mundo interior, e que merecera a sanc??o da nossa consciencia, n?o iremos susceptibilisar ou offender, apesar d'isso, o que os outros teem de mais sagrado no cora??o e amam mais de que tudo?!
N?o seremos nós uns illudidos que vamos com a nossa illus?o concorrer para os enganos dos outros?!
Todas estas perguntas accudiam ao nosso espirito quando nos incitavam a imprimir estes _Cantos_ e esperámos sempre que um mais maduro exame os auctorisasse a sahir do recatado asylo da nossa consciencia, a ir correr mundo e a suscitar por ventura a animadvers?o ou a sympathia dos leitores!...
Que o publico encontre n'elles a grata companhia que nos fizeram t?o largos annos, é o melhor premio, se algum elles merecem, a que pode aspirar o auctor d'estas linhas.
Lisboa, 15 de mar?o de 1899.
MANOEL D'ARRIAGA.
LIVRO PRIMEIRO
DEUS E A ALMA
I
O QUE EU VI
Sahi um dia a contemplar o mundo,?Por vêr quanto ha de bello e quanto brilha?Na multipla e gloriosa maravilha,?Que anda suspensa em o azul profundo!
Vi montes, vales, arvores e fl?res,?Limpidas aguas, múrmuras torrentes,?Do grande mar as musicas plangentes,?Dos céus sem fim os trémulos fulg?res!
Trouxe os olhos t?o ricos de belleza,?O cora??o t?o cheio de harmonia,?De quanto havia em terra, mar e céos,
Que interpretando a sós a Natureza:?Dentro de mim esplendido fulgia,?N'um circulo de luz, teu nome, oh Deus!
II
MUNDO INTERIOR
Materia ou For?a, Lei ou Divindade?Quem quer que seja que dirige o mundo,?Esparze em tudo o espirito fecundo?Do Summo Bem--Belleza, Am?r, Verdade.
á luz d'esta Santissima Trindade,?Cercado d'esplendor, clamo e jucundo,?Sorri-me em volta o universo; ao fundo,?Por synthese Suprema, a Humanidade!
Dos homens rujam temporaes medonhos...?Que em mim, no meu lab?r, do Bem sedento,?Meus dias correm limpidos, risonhos!
Estrellas que brilhaes no firmamento!?é menos bella a vossa luz que os sonhos?Que gera na minha alma o Pensamento!
III
TRISTEZA
Como isto cá por fóra é tudo alegre!?Qu?o bello o sol! que esplendida harmonia
A terra, o mar e os céos!?Porem dentro de mim que mundo á parte!?Que embate de paix?es! Que noite funebre!
Que magoas, Santo Deus!
Ai! se as manchas que o sol no rosto esconde?Tem sobre o mundo alguem onde projectem
A triste escurid?o,?Minha alma é como o espelho onde ellas caem,?T?o profunda é a mágoa que me lavra
Aqui no cora??o!
E eu via ha pouco o azul d'um céo sem macula!?E o sol d'esta alma fulgurante e limpido
Banha-me todo em luz!?Porém, franqueza humana! eu proprio o obrigo?A alumiar-me com a luz da frouxa lampada
D'um templo de Jesus!...
Senhor! Senhor! que um teu olhar me alegre!?Que lave o pavimento de meu peito
De muita ideia v?,?Que o mal é como a noite, e o sol apaga-a?E transforma-a na prata, ouro e purpura
Das nuvens da manh?!
Oh! tu tristeza, irm? dos desgra?ados,?Que lan?as no meu peito os ais plangentes
D'esses gemidos teus!?Desprende da minha alma as azas negras,?E deixa entrar alegre a luz do dia,
A luz vinda dos céos!
E vós, filhos do sol, tribus innumeras?Da familia de Deus, plantas e fl?res
Insectos e animaes,?Que engolfados nos gozos do Universo,?N'esse concerto immenso de harmonias,
Nos céos a Deus louvaes:
Ah! venho-vos tomar por meus mentores,?Pois vale bem mais a luz do vosso instincto,
Que a luz d'esta raz?o,?Se eu n?o sei como vós viver contente,?Trazer o azul dos céos na consciencia,
E a paz no cora??o!
Lisboa
Na tapada d'Ajuda,
1869
IV
PRESENTIMENTOS
Eu bem sei que devia?Causar-te muito dó,?Em noite t?o sombria?Vêres-me aqui t?o só!...
Nem sei que sol m'alegra!?A sós com a minha cruz,?Sou como a nuvem negra?Que encerra muita luz!...
Como arvore sombria?Vergada sobre um val,?Assim vivo hoje em dia?á sombra do Ideal...
Que eu tenho muita fome?De Justi?a e d'Amor,?E aqui n?o ha quem tome?A serio a minha d?r...
O mundo vê e passa,?Como sempre passou,?Sorrindo da desgra?a?Dos tristes como eu sou...
E este sonho dourado?D'am?r, que a gente vê,?N?o póde estar guardado?N'esses homens sem fé!...
Ah! n?o! já n?o m'illudo?Foi isso o que suppuz;?Mas vi mudar-se em tudo?Em sombra a minha luz...
E os sonhos que já tive?T?o bellos, afinal,?S?o hoje um céo que vive?Sobre este lama?al!...
Um céo que vejo, ao longe,?Exposto aos olhos meus,?Co'a mágoa com que um monge?Veria outr'ora a Deus!...
E onde ha maior castigo,?Mais dura prova??o,?Que ter por inimigo?O homem nosso irm?o,
Aquelle a quem nós démos,?Com toda a candidez,?Os sonhos que hoje vêmos?Desfeitos a seus pés?!...
Ah! supp?e-me o desgosto,?De eu vêr desparecer?A cópia do meu rosto?Aos pés d'uma mulher,
E isto em desacato?Do meu mais santo amor:?E ahi tens um retrato?Da minha immensa d?r,
Quando vejo desfeito?Por gente ingrata e má?Um sonho do meu peito,?E muitos vi eu já!...
Por isso eu n'esta vida,?Apoz tanta illus?o,?E tanta fl?r perdida,?Tanta cor?a no ch?o...
Ai! sinto
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