As Minas de Salomão | Page 8

H. Rider Haggard
escripto, e o levar para
Lourenço Marques, que o meu amigo [aqui um nome illegivel], logo
pela primeira nau que passar para o Reino, mande estas coisas ao
conhecimento d'El-Rei, para que Elle remetta uma armada a Lourenço
Marques, com um troço de gente, que se conseguir atravessar o deserto,
vencer os Kakuanas que são valentes, e desfazer os seus feitiços
(devem vir muitos missionarios) tornarão Sua Alteza o mais rico Rei da
Christandade. Com meus proprios olhos vi os diamantes sem conto
amontoados n'um subterraneo que era o deposito dos thesouros de
Salomão, e que fica por traz d'uma figura da Morte. Mas por traição de
Gagula, a feiticeira dos Kakuanas, nada pude trazer, apenas a vida!
Quem vier siga o mappa que tracei, e trepe pelas neves que cobrem o
Seio de Sabá, o esquerdo, até chegar ao cimo, d'onde verá logo, para o
lado norte, a grande calçada feita por Salomão. D'ahi siga sempre, e em
tres dias de marcha encontrará a aringa do rei. Quem quer que venha
que mate Gagula. Rezem pelo descanço da minha alma. Que El-Rei
Nosso Senhor seja logo avisado. Adeus a todos n'esta vida!»
Tal era o extraordinario documento que textualmente li ao barão Curtis
e ao capitão, porque trazia sempre commigo (e ainda trago) uma

traducção d'elle, em inglez, na carteira.
Quando acabei, os dois amigos olhavam para mim, mudos de espanto.
Por fim o capitão, com o leve suspiro de quem repousa d'uma
prolongada emoção, bebeu um trago de grog--e mais sereno:
--O nosso amigo o snr. Quartelmar não nos tem estado a intrujar?
Metti com força o papel na algibeira, e, erguendo-me, repliquei
sêccamente:
--Se os cavalheiros assim pensam, não me resta mais nada senão
desejar-lhes muito boas noites!
O barão acudiu, pousando-me no hombro a sua larga mão:
--Pelo amor de Deus, snr. Quartelmar! Nem John, nem eu duvidamos
da sua veracidade. Mas, emfim, tenho ouvido dizer que aqui na colonia
é coisa corrente e bem aceita troçar um pouco os que chegam, os
novatos d'Africa... E depois essa historia é tão extraordinaria!
Insisti, ainda offendido:
--O original escripto pelo velho fidalgo no farrapo de camisa, tenho-o
em Durban! Será a primeira coisa que lhes hei de mostrar em
chegando!... Não ha uma palavra...
O barão atalhou gravemente:
--Toda a palavra do snr. Quartelmar é coisa séria, e como tal a
tomamos.
Durante um momento ficámos calados. Eu serenei. Por fim o barão,
que dera sobre o tapete do beliche alguns passos pensativos, parou
diante de mim:
--E meu irmão? Como soube o snr. Quartelmar que meu irmão tentou
tambem essa jornada ás minas?

Narrei então o que me succedera com esse sujeito Neville, quando
estavamos acampando, lado a lado, em Bamanguato. Eu não o conhecia;
nem então começámos relações, apesar de termos o gado junto. Mas
conhecia perfeitamente o serviçal que o acompanhava, um chamado
Jim. Era um Bechuana, excellente caçador--e, para Bechuana, esperto,
consideravelmente esperto! Na manhã em que Neville devia metter-se
para o sertão, vi Jim, ao pé do meu carrão, cortando folhas de tabaco.
--Para onde é essa jornada, Jim? perguntei eu, sem curiosidade, só para
mostrar interesse ao rapaz. Ides a elephantes?
Jim mostrou os dentes todos, n'um riso vivo:
--Não, patrão. Vamos a coisa melhor que marfim.
--Melhor que marfim!? Ouro?
--Melhor que ouro! murmurou elle, arreganhando mais a dentuça.
Calei-me, porque não convinha á minha dignidade de patrão e de
branco revelar curiosidade diante d'um Bechuana. Confesso, porém,
que fiquei intrigado. D'ahi a pouco Jim acabou de cortar o tabaco. Mas
por alli se quedou, rondando, coçando devagar os cotovêlos, á espera,
com os olhos em mim. Não dei attenção.
--Ó patrão! murmurou elle, n'uma ancia de desabafar.
Permaneci indifferente, por dignidade. Elle tornou:
--Ó patrão!
--Que é, homem?
--Vamos á procura de diamantes, patrão! atirou-me elle ao ouvido.
--Diamantes!? Boa! Então ides para o lado opposto. Devieis metter
direito ao sul, para as Diamanteiras.
O Bechuana baixou mais a voz:

--Ó patrão! Já ouviu fallar das serras de Suliman? Pois lá é que estão os
diamantes. O patrão nunca ouviu?
--Tenho ouvido muita tolice na minha vida, Jim.
--Não é tolice, patrão. Eu conheci uma mulher que veio de lá, com um
filho, e que vivia no Natal. Morreu ha annos, o filho por lá anda. E foi
ella que me disse tudo. Ha lá diamantes!
--Olha, Jim, o que te digo é que teu amo vai dar de comer aos abutres,
que andam por lá esfomeados. E tu, essa pouca carne que tens nos
ossos, tambem vai d'aqui direitinha aos abutres!
O homem teve outro riso fino:
--A gente tem de morrer, e eu não desgósto de experimentar terras
novas. O elephante por aqui já não rende. O Bechuana cá vai para os
diamantes, e o Bechuana vai cantando!
--Pois quando
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 75
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.