As Farpas (Junho 1883) | Page 8

Eça de Queiroz Ramalho Ortigão
total. Como o espirito n?o come?a por disp?r sen?o d'um pequeno numero de faculdades activas, e que as faculdades desenvolvidas mais tarde entram successivamente em ac??o at�� chegarem a funccionar todas simultaneamente, segue-se que o ensino n?o deve abra?ar primeiro sen?o um pequeno numero d'objectos, successivamente accrescentados at�� que se comprehendam todos. N?o �� s��mente na especialidade que a educa??o deve proceder do simples para o composto, �� tambem no conjuncto.?
Em seguida Spencer accrescenta, de accordo com todos os pedagogos modernos, que a educa??o da crean?a deve concordar no modo adoptado e na ordem seguida com a educa??o da humanidade considerada historicamente. A genese da sciencia no individuo n?o p��de seguir uma marcha differente da genese da sciencia na ra?a. E n'este ponto Spencer invoca o nome de Comte e curva-se respeitosamente deante d'elle, porque a ordem positivista dos estudos corresponde exactamente �� evolu??o dos conhecimentos na humanidade, a qual principiou por investigar os factos cosmologicos e inorganicos mui longo tempo antes de attender ��s leis biographicas e �� vida historica da especie.
Vejamos agora �� luz d'estes principios como os pedagogos de vossa alteza regularam a distribui??o dos conhecimentos que foram incumbidos de ministrar-lhe.
Sua alteza--diz a informa??o que analysamos--_come?ou pelo estudo aprofundado da philosophia_.
Esta simples proposi??o inicial basta pelo seu profundo alcance pathologico para sobre ella se diagnosticar a inepcia verdadeiramente tragica que presidiu �� educa??o intellectual de vossa alteza.
Principiar pela philosophia!!
Mas a philosophia �� precisamente a ultima das coisas que se ensinaria a um homem, se a philosophia fosse coisa que se impuzesse a alguem pelo dogmatismo dos mestres.
O que �� uma philosophia sen?o um systema de leis, deduzidas pelo espirito de cada um da confronta??o das causas e dos effeitos dos phenomenos physicos e dos phenomenos moraes, e destinadas a fazer-nos prever, �� mais longa distancia da nossa comprehens?o pessoal, o destino do homem no gremio da sociedade e no seio da natureza?
Como �� pois que alguem emprehende crear um philosopho de um menino de instruc??o primaria, fazendo-o systematisar pelas altas e subtis correla??es de causa e effeito um conjuncto de phenomenos, que elle nem sequer conhece na sua funccionalidade concreta, quanto mais na abstrac??o psychologica de fim e de origem?
O principio fundamental de todo o systema de educa??o e de ensino ��--como j�� vimos--que, sempre e invariavelmente, se proceda dos factos particulares para as leis geraes e das leis geraes para as leis de applica??o.
Como �� ent?o que a vossa alteza ensinaram leis de applica??o sem o conhecimento previo das leis geraes e sem o conhecimento anterior dos factos particulares?
Que especie de philosophia �� esta que vossa alteza aprendeu, t?o extranhamente e t?o miraculosamente como poderia ter aprendido a leitura sem o conhecimento das letras ou a arithmetica sem a no??o dos numeros?...
�� a instauratio magna de Baccon? �� o scepticismo systematico de Descartes? �� o metaphysismo de Hobbes e de Leibnitz? �� o deismo de Locke ou o de Voltaire? �� o sensualismo de Spinosa ou o de Condillac? �� o scepticismo de Berkeley? �� o materialismo de Holbach ou de La Mettrie? �� o encyclopedismo de Condorcet? �� o sentimentalismo de Rousseau? �� o idealismo de Kant e de H��gel? �� o pessimismo de Hartmann e de Schopenhauer? �� o eclectismo do snr Cousin? �� o revolucionismo de Proudhon? �� o objectivismo de Stuart Mill e de Herbert Spencer? �� o evolucionismo de Darwin? �� o positivismo de Comte ou de Littr��?
A informa??o que t?o opportunamente baixou da aula de vossa alteza �� redac??o do Diario de Portugal arranca o nosso espirito perplexo a esta cruel duvida.
Diz-nos esse papel precioso que a philosophia que vossa alteza aprendeu �� a philosophia racional e moral.
Ora, como vossa alteza talvez sabe, todo o termo affirmativo implica a nega??o de um termo contrario. Assim quem diz uma philosophia objectiva ou uma philosophia materialista, d�� a perceber d'esse modo que ha uma philosophia subjectiva e uma philosophia espiritualista, mas que n?o �� d'essas que se trata.
Os pedagogos de vossa alteza, insinuando-lhe que �� racional e moral a philosophia que lhe ensinam, deixam entender que ha tambem uma philosophia immoral e uma philosophia irracional, opposta a essa. �� triste o pensar que vossa alteza est�� desde de 1878 a estudar uma coisa que se converter�� n'um systema de irracionalidade e n'uma doutrina de desmoralisa??o desde que vossa alteza se d�� ao ligeiro trabalho de virar pelo avesso a tal coisa que lhe ensinaram.
O programma que tem regulado a instruc??o de vossa alteza accrescenta que vossa alteza tem estudado essa philosophia na _direc??o do estudo superior da philosophia do direito, e que assim preparado come?ou em seguida o estudo do direito natural_.
Perante uma t?o espantosa affirmativa deitamos abaixo das estantes todos os livros de ?direc??o philosophica? desde a mais remota antiguidade at�� os nossos dias.
Interrogamos avidamente as tradi??es egypcias do tempo das
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