As Farpas (Junho 1883) | Page 3

Eça de Queiroz Ramalho Ortigão
potes.
E a camara em peso, por todos os votos menos um, votou um credito supplementar de 5 contos de r��is. Para qu��, senhor? Para proteger a arte nacional, que nem tem escolas, nem mestres, nem discipulos, nem modelos, nem livros, nem coisa nenhuma, al��m do snr. conde de Almedina, e a qual a camara, ao cabo de vinte annos de esquecimento ou de desdem, se lembra de patrocinar afinal com 5 contos extraordinarios! Cinco contos por quatro cacos feiissimos, meu rico senhor!... por quatro potes, que uns dizem que foram feitos em Pompeia, e outros que foram feitos nas Caldas antes da vinda de Christo, e que, em todo o caso, admittindo-se mesmo que houvessem sido feitos ha muito mais tempo e muitissimo mais longe, s�� seriam de alguma utilidade aos artistas se lh'os dessem cheios de compota de marmelo ou de conserva de pimentos com cenouras!
Tal �� a camara, �� serenissimo principe!
E a Geographica pode vossa alteza crer que �� outra que tal. A sabia corpora??o da rua do Alecrim n?o passa de um parlamento como o de S. Bento, com a differen?a de que, em vez de ser electivo, �� de assignatura, a cinco tost?es por mez, e n'elle a rhetorica �� consultiva em vez de ser deliberante. �� a camara ou a ante-camara dos aprendizes a deputados e a ministros; �� o vitello mam?o de que a representa??o nacional �� o boi gordo.
Na primeira quinta feira de despacho digne-se vossa alteza ordenar que o trinchante m��r da real casa lhe raspe bem raspado um dos seus ministros e lh'o sirva sem casca: ahi est�� o geographo.
Encasque-se o geographo: eis ahi o ministro.
Sobre a Universidade corramos o veu da pudicicia. O mesmo governo, considerando recentemente a influencia deslumbrante que esse luminoso foco do saber exercia sobre a imagina??o da mocidade, deliberou com prudencia applicar-lhe um apagador. A respeito de ensino--disse em portaria o snr ministro do reino ao reitor d'aquelle instituto de instruc??o--o melhor �� p?r-lhe ponto. E assim se fez, com regosijo e applauso geral dos doutos.
Resta-nos o drawing-room da senhora D. Maria Kruz.
Este centro intellectual est�� indubitavelmente acima de todos os outros e exerceu na educa??o nacional uma influencia doce e benefica. �� certo que durante muitos annos foi pela escada tapetada da Abbaie aux Bois presidida por essa dama, e n?o pelos degraus sordidos da sociedade geographica, que os litteratos, com algum stylo e pera, iam a deputados e iam a ministros.
A esta interven??o senhoril, que por algum tempo deu �� politica portugueza uma leve atmosphera de delicadeza e de gra?a, um fugitivo odore di femmina, se deve o accordo que se fez em alguns caracteres entre a avidez das ambi??es e o respeito pelas escovas d'unhas.
De resto ha para todos os effeitos uma differen?a consideravel entre o entrar na vida dando o bra?o a uma senhora, e o entrar levado em charola pelo snr Pequito e pelo snr Luciano Cordeiro.
A senhora D. Maria Kruz abdicou porem ha muito tempo da influencia da sua amabilidade perante o prestigio politico d'esses dois geographos fura-vidas, e contenta-se hoje em offerecer �� sua antiga c?rte a amisade, a conversa??o e o ch�� das suas quintas-feiras.
Toda essa gente, no fim de contas, se tem importado tanto com vossa alteza como com minha av�� torta. Ao passo que As Farpas desde o primeiro dia da sua existencia at�� hoje j��mais desfilaram os olhos desvelados e respeitosos dos interesses da real familia, em geral, e muito em especial dos de vossa alteza serenissima.
Era vossa alteza um baby, da altura de uma bengala, quando seus illustres paes, vilmente illudidos por indignos conselheiros, appareciam com vossa alteza nos sitios publicos apresentando-o aos povos em traje de mascara, j�� de coronel de comedia, j�� de tabeli?o de entremez.
De uma vez levaram-o ��s corridas de cavallos vestido de funccionario publico: cal?a at�� abaixo, apolainada em cima dos botins apiorrados, jaquet?o, collarinho alto, chapeu redondo, grilh?o de ouro no relogio e luva branca. Vossa alteza poder�� fazer uma ideia da figura que estava dignando-se de olhar por um binoculo ��s avessas para o prior da Lapa. Era aquillo em louro, sem a cor?a e sem o annel liturgico.
As Farpas protestaram com energia, clamando em stylo vehemente que vossa alteza tinha direitos inilludiveis a n?o ser confundido por meio dos nefandos artificios do algibebe da c?rte com um padre pequeno. Que vossa alteza era o herdeiro presumptivo de um sceptro; nunca o de um cachucho de pregador! Que mais nobre do que essa vestimenta seria a pura nudez com a decencia apenas garantida pela antiga folha de vinha ou por um simples phyloxera.
As Farpas aconselharam que vestissem vossa alteza sensatamente, de flanella, meias de l?, knickerbokar, blusa, collarinho chato, e sem luvas.
Hoje, que vossa alteza �� um homem, deixamos ao seu juizo emancipado o decidir quem tinha
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