Apontamentos sobre a via de communicação do rio Madeira | Page 4

Antonio Rebouças
o rio Grande ou Guapay a 10 leguas de Santa Cruz de la Sierra,
a cidade campestre, como a appellida d'Orbiguy, interessante capital
do departamento de igual nome; e mais abaixo recolhe pela margem
esquerda as aguas do rio Piray, que banha os arrebaldes da mesma
cidade e é navegado até cerca de 30 leguas a jusante della, em um
porto chamado Cuatro-Ojos.
É depois de receber o Piray que alguns geographos dão ao Guapay o
nome de Sara, que guarda até se lhe reunir o Chaparé, que, recebendo
perto da boca um rio denominado Mamorechico ou Mamoré[4],
transmitte este nome ao Sara, antes Guapay ou rio Grande.
[4] Mamoré significa em lingua indigena mãi dos homens. O rio

recebeu este nome porque em sua fonte ha um rochedo pyramidal
formado de tres pedras sobrepostas, que se erguem á altura de mais de
20 metros, e coroado por uma gigantesca arvore de quina. Este
rochedo é adorado pelos indios dessas paragens, porque é crença
entre elles que devem sua origem aos amores dessa pedra com um tigre
das selvas.--Podia julgar-se, acrescenta o autor de quem copiamos
estas linhas, que semelhante origem devia tel-os feito selvagens e
ferozes: são ao contrario meigos, humildes e serviçaes.
(Favre--Apuntes sobre la navegacion de los rios de Boliyia.
Cochabamba. 1858).
O Chaparé é digno de menção não tanto pelo avultado cabedal de suas
aguas como pela navegação franca que offerece quér em seu proprio
curso, quér no de seus numerosos tributarios, entre outros o Mamoré
chico, o Chimoré e o Coni.
Trazendo, como ficou dito, suas nascentes dos arredores de
Cochabamba, tem a 35 leguas[5] desta cidade o porto de Vinchuta,
junto á embocadura do Coni, d'onde é possivel navegar a vapor até a
sua foz no Mamoré; pois neste espaço, que regulará em 200 milhas[6],
o rio nunca tem menos de 2 metros (6 pés) de fundo nem correnteza
superior a de 1 1/2 milhas por hora ou 0,77 metros por segundo.
[5] Alguns autores que consultamos dizem ser de 30 leguas a distancia
de Cochabamba a Vinchuta; outros fazem-n'a de 40. Decidimo-nos
pela media dos dous algarismos, approximando-nos muito da opinião
de Gibbon, que attribue 34 leguas ao mesmo caminho.
[6] As distancias em milhas que citamos são extrahidas da obra de
Gibbon ou fundadas no seu mappa. Suppomos ser a milha maritima de
60 ao gráo, equivalente a um terço de legua de 20 ao gráo e a 1.852
metros. Esta legua tem pois 5.556 metros e é pouco differente da
boliviana, que é igual a 5.564 metros.
No rio Grande ou Guapay o mesmo systema de navegação talvez possa,
na estação das aguas, começar desde muito arriba no seu curso; e não
é duvidoso que alcançará ao lugar chamado Paylas, situado mais ou
menos fronteiro a Santa Cruz. Dahi para baixo a navegação seria

desimpedida em todo o anno, se na secca não se formasse um rapido
ou uma cachoeira, que difficulta a subida além de um porto conhecido
pelo nome de Bivosi. Entre este e a foz do Chaparé não consta que o
Guapay tenha empecilhos e dessa foz até Trinidad, capital do
departamento do Beni, foi averiguado por Gibbon que a profundidade
d'agua na secca nunca é inferior a 7 metros, 21 pés, e a correnteza por
hora não passa de 1/2 milha.
Proseguindo em condições de prestar transito a vapores sem
necessidade de obras d'arte, o Mamoré passa perto de Exaltacion,
outra cidade do Beni, e cada vez com mais fundo e corrente menos
rapida, chega á confluencia do Guaporé ou Itenez, proximamente a
120 milhas da cidade de Trinidad.
Este ultimo rio, que reune a maior massa, que engrossa o Mamoré pela
margem do Oriente, é formado pelo concurso de muitos mananciaes
que descem da serra dos Parecis, com outros que provêm da de
Aguapehy e das vertentes e lagôas da provincia de Chiquitos. Tendo,
porém, as fontes de seu tronco principal na serra dos Parecis, aos 14^o
42' de latitude e a 2 leguas das do Juruema, braço importante do rio
Tapajoz, outro grande affluente do maximo Amazonas, o Guaporé, se
precipita pelas encostas das montanhas, d'onde se origina, em saltos a
cachoeiras repetidas, que não facultão senão mui embaraçada á
navegação até cidade de Mato Grosso. Corre primeiro a SO até os
15^o, 10' de latitude, seguindo parallelo ao curso do Jaurú, tributario
do rio Paraguay, e depois volta bruscamente tornando o rumo de
nordeste, que conserva até desembocar no Mamoré, aos 11^o 54' 46"
de latitude é 68^o 1' 30" de longitude oeste de Paris.
Seus confluentes mais notaveis são na margem direita o Sararé e o
Galera; e na esquerda o Barbados, o Verde, o Branco ou Baures e o
caudaloso Magdalena ou Itonama.
É pelo rio Barbados e seu affluente, o rio Alegre, que
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