Apontamentos sobre a via de communicação do rio Madeira | Page 3

Antonio Rebouças
não deixando
escapar a opportunidade presente em que acontecimentos diversos
parecem promovel-a e apressal-a.
A utilidade, que della resultará no sentido de crear e desenvolver a
industria e o commercio nos paizes a que vai servir, é incontestavel.
Não ha que discutil-a quanto a seus effeitos sociaes e civilisadores.
Falta sómente apresental-a por sua face pratica, propagal-a como
empreza lucrativa, revelar suas vantagens economicas, demonstrar sua
exequibilidade immediata e attrahir sobre ella a attenção de
emprehendedores e capitalistas. É sob tal ponto de vista que nestes
apontamentos nos propomos estudal-a, posto que baldos de
informações sufficientes e conscios de nossa incapacidade para
preencher a tarefa que emprehendemos como conviria á importancia
subida do assumpto.

II.
Idéas geraes sobre a bacia do rio Madeira.--Seu curso e seus
affluentes.--Rio Mamoré, rio Grande ou
Guapay.--Piray.--Chaparé.--Securé.--Guaporé ou
Itenez.--Beni.--Situação e comprimento da estrada das Cachoeiras.
A torrente, que baixa do nevado de Chacaltaya e corta a cidade de La
Paz, a mais populosa e importante da Bolivia, é uma das nascentes
mais remotas do Mosetenes, cujo nome se troca pelo de Beni desde o
salto de Ictama[2]. Na propria cidade de Cochabamba e em suas
vizinhanças se encontrão varios cursos d'agua, que por duas vias
differentes vão despejar ao rio Mamoré, cujo prolongamento é o
Madeira. De um lado são as nascentes do Paracti e do Colomi, que são
ambos affluentes principaes do Chaparé ou rio de S. Matheus; do outro
lado é o rio Rocha, que tambem tem o nome de Sacaba, e é um dos

numerosos tributarios do Calauta, confluente do rio Grande de
Chayanta, que mais abaixo se chama simplesmente rio Grande ou
Guapay e é o braço mais caudaloso do rio Mamoré.
[2] Estes e os seguintes dados são, em geral, extrahidos da excellente
obra--Bosquejo estadistico de Bolivia--por José Maria Dalence.
Chuquisaca, 1851.
A cidade de Sucre ou Chuquisaca está situada na ramificação dos
Andes, que fórma na Bolivia o divortium aquarum entre o Amazonas e
o Prata. Assim as aguas, que a banhão, de um lado se dirigem para o
Sul pelo alveo do rio Pilcomayo, emquanto que do outro fluem para o
já citado Guapay ou rio Grande.
Emfim, a cidade brasileira de Mato Grosso, antiga capital da capitania,
hoje provincia do mesmo nome, demora ás margens do Guaporé ou
Itenez, o mais poderoso dos affluentes do Madeira, que procedem das
bandas do oriente, principalmente da famosa serra dos Parecis, onde
se entrelação tantos rios que engrossão as aguas do Amazonas e do
Prata.
O Beni, o Chaparé, o Guapay e o Guaporé são os ramos mais
importantes, que compõem o volumoso tronco, que toma o nome de
Mamoré desde a confluencia do Chaparé com o Guapay; recebe o de
Madeira quando se lhe junta o Beni, e o conserva até que desemboca
no Amazonas com um cabedal de aguas tamanho, que o classifica
como um de seus maiores affluentes, senão o maior.
Assim em longinquas origens de seu curso o Madeira rega as tres
cidades mais consideraveis da Bolivia, assim como á de mais valor que
o Brasil possue em sua fronteira desse lado.
O Guapay ou rio Grande, tronco principal do Mamoré, se torna um rio
notavel desde que se reune o Calauta, que vem de Cochabamba, ao rio
grande de Chayanta. Nessa paragem, que se acha proximamente aos
19° de latitude, entre o povo de Uricari e o de Poroma, tem como 3 pés
ou cerca de 1 metro de profundidade[3].

[3] O pé usado na Bolivia é igual a um terço de vara. Esta sendo igual
a 0^m,8359, o dito pé vale 0^m,278.
O pé inglez é equivalente a 0^m,3048. O pé portuguez tem 1 1/2 palmos
ou 0^m,33, conforme o valor de 0^m,22, adoptado como o padrão do
palmo. É com pequena differença igual ao pé francez, que tem 0^m,324.
Em geral se póde tomar approximadamente o metro por 3 pés.
Contada dahi até á foz no Amazonas, a navegação da arteria mãi do
Madeira abraçaria mais de 900 leguas.
O rio, que a principio seguia o rumo de norte a sul, na dita latitude e
na longitude de 68° O. de Paris, pouco mais ou menos, dirige-se para
leste em linha quasi recta, costeando o grande esporão dos Andes,
cujas contravertentes dão para o Pilcomayo. Chega assim aos 60° de
longitude, perto de Abapó, onde se lhe incorpora o caudaloso rio
Azero, e livre já dos obstaculos da Cordilheira torce de repente para
norte, cujo rumo em geral conserva para diante nas innumeraveis
sinuosidades de seu leito.
Antes de receber o Azero, já tem o Guapay duas varas ou 1^m,66 de
profundidade, e, ainda que seja pouco conhecida sua navegabilidade
nestes lugares, ha quem assegure que elle não tem empecilho algum,
pois collocão no rio Azero uma cachoeira que consta por ahi existir.
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