vezes me vês, Amor, oh quantas! Cobiçar-te, e
fugir-te
Na varia compressão, no cerco infando De Pezar, e Pezar conheço o
pouco, Que resiste a Razão, e quanto, e quanto Filosofia he futil!
A Sensassão dispotica ensurdece Da sã Prudencia ao madurado Aviso,
E contra a innata propensão dos Entes Politica o que avulta?
Mente quem me disser, que em homens cabe Não gemer, se Afflicção
irrita, e lacera: Não mais póde o Atilado, o Sapiente, Que evitar-se ao
naufragio.
Eu, que desde a bemvinda Primavera, Em que a Luz da Razão dourou
meu clima, Tive sempre comigo, e meus Destinos Atinada pelêja.
Votado desde então a Amor, e ás Musas, Filosofo, os espinhos
acamando, Horas tenho, assim mesmo, em que a meus olhos A
existencia negreja.
Ditoso tempo aquelle, Elmano, o caro, Que em amiga união (volvendo
a teia Do Porvir, do passado, e do presente,) Nos davamos constancia!
Então (oh! tempos, que valeis saudades) Amizade interesses enlaçando,
Delicias extrahia ás mãos da sorte, Que trovejava inutil.
Então as Nynfas do Pierio esquivo, Com teus Olympios sons extasiadas,
Folgavão de me ver medrado Alumno, Rastear-te, e com gloria.
Ah! bem que nos separa occulta força, Inda te segue o socio
Pensamento:[1] Se Poder, e Vontade condissessem, Moniz fôra
comtigo.
Menos agros talvez teus dias forão, E os turvos dias meus, que enlutão
mágoas, Com doce languidez amenizára O Prazer fugidio.
Matiz equivalente a Paraisos, Variado entre Amor, entre Amizade, Me
enchera o vácuo da existencia ensôssa, Que se definha inerte.
Eu amo, eu sou amado, eu lucro, eu gózo; Mas, aí! que a hum dia de
prazer succedem Dias, e dias de Afflicção teimosa, Que o coração me
azédão.
Amas, como eu tambem, tambem amado, Mas avesso Poder te engelha
os fructos, Que já colheste em tempos fortunosos De perpétua
lembrança!
Cumpria, que a Amizade suppridora Instantes affagasse amargurados,
Mesmo d'entre os negrumes do Destino Tirasse hum riso a furto.
Infelizes de nós, se não restasse No fundo d'alma, de sofrer cansada,
Divino não sei que, que aos males todos Nos torna sobranceiros.
Eia, pois ao porvir se appelle, Elmano, Fonte de gostos, ideaes amenos,
O Fôlego alargando ao soffrimento, Leda Esperança ondêa.
Ella espinhos crueis em flores torna, Sustenta o fio, e dá sabor á vida;
Retem suicidas mãos, angustias doura,[2] Deve ser nosso Numen.
Se dize com Ovidio: "Eu perdi forças,[3] Perdi côr, e mal cobre a pelle
o osso," Tambem com elle eu digo: "Immensos males[4] A velhice me
avanção."
A Aurora do Prazer talvez que enflore, Ermo invernoso da existencia
nossa, Á Fama vividoura, assombros novos Na Lyra então daremos.
Por Nuno Alvares Pereira Moniz.
[1] Affectus que animi, qui fuit ante manet. Ovid. Trist. lib. 5. Eleg. 2.
[2] Me quoque conantem gladio finire dolorem, Arguit, injectas
continuit que manus. Ovid. de Pont. lib. I. Eleg. 6. [3] Nam neque sunt
vires, nec qui color ante solebat, Vixque habeo tenuem, quae tegat ossa,
cutem. Ovid. Tris. lib. 4. Eleg. 6. [4] Me quaque debilisat series
immensa laborum, Ante meum tempus, cogor et esse senex. Ovid. de
Pont.
* * * * *
Carminibus quaero miserarum oblivia rerum. Ovid.
*ODE*
Ao Senhor Nuno Alvares Pereira Moniz
Já meu estro, Moniz, apenas sólta Desmaiadas faiscas; Em que as
frôxas idéas mas se aquecem; Elmano do que ha sido Qual no gésto
desdiz, desdiz na mente; Diástole tardia Já da fonte vital me esparge a
custo O licor circulante, Que he rosa entre os jasmins de virgem Face,
Que outr'ora esperto, accezo De santa Agitação, de Ardor sagrado, No
cérebro em tumulto (Estancia então de hum Deos!) me borbolhava.
Respiração Divina, Enthusiasmo augusto, alma do Vate! Que rápidos
portentos, Portentos em tropel, não déste á Fama, Não déste á
Natureza, Á Patria, ao Mundo, a Amor na voz de Elmano! Ora,
aplanando os sulcos, Com que a Saturnia mão semblantes lavra, A
Razão pensadora Erguia aos graves sons o grave aspecto: Ora ao
ver-se anteposto Por deleitosa insânia, a Ella, a Tudo, O grato, Cyprio
Nume, Fadava docemente o doce canto No Coração de Anália. Oh
extase! oh relampagos da Gloria! Faustos momentos de ouro, Com que
meu gráo comprei na Eternidade! Do Tempo meu voando, Do Tempo
que anuvião negros Males, Brilhais inda em minha alma, Entre
sombrias, áridas Idéas, Qual entre Aves escuras, (Orgãos do Agouro,
Interpretes da Morte) Requebros annulando, Das Aves de Cithéra o
coro alveja...! Mas ah, saudosos Dias, Vós sois memoria só, não sois
influxo! Não me reluz comvosco O Espirito, abysmado em funda trévas,
Com gasto, debil fio Prêzo á Materia vil, que rálão Dores! Ante meus
olhos tristes, (Que já d'amiga luz se despedírão) Sahe de eterna
Voragem Vapor funéreo, que exhalais, oh Fados! Eis meu termo
negreja, Eis no Marco fatal meu fim terreno!... Mas surgirei nos Astros
Para
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