verme á podridão.
Não poderás jámais
largal-a da tua mão!
És traidor, assassino, hypocrita, perjuro;
A tua
alma lançada em cima d'um monturo
Faria nodoa. És tudo o que ha
de mais vil,
Desde o ventre do sapo á baba do reptil.
Sahe da
existencia! dize á sombra que te acoite.
Monstro, procura a paz!
verme, procura a noite!
Que o sol não veja mais um unico momento
O teu olhar obliquo e o teu perfil nojento.
Esse crime, bandido, é
um crime que profana,
Todas as grandes leis da vida universal.
Esconde-te na morte, assim como um chacal
No seu covil. Adeus,
causas-me nojo e asco.
Deixo dentro de ti, Judas, o teu carrasco!
És
livre; adeus. Já brilha o astro matutino,
E eu, caçador feroz,
cumprindo o meu destino,
Continuarei caçando os javalis nos matos.»
E dito isto partiu a procurar Pilatos.
Vinha rompendo ao longe a fresca madrugada.
Judas, ficando só,
meteu-se pela estrada,
Caminhando ligeiro, impavido, terrivel,
Como um homem que leva um fim imprescriptivel
Uma ideia
qualquer, heroica e sobranceira;
De repente estacou. Havia uma
figueira
Projectando na estrada a larga sombra escura;
Judas,
desenrolando a corda da cintura,
Subiu acima, atou-a a um ramo
vigoroso,
Dando um laço á garganta. O seu olhar odioso
Tinha
n'esse momento um brilho diamantino,
Recto como um juiz, forte
como um destino.
N'isto echoou atravez do negro céo profundo
A voz celestial de Jesus
moribundo,
Que lhe disse:
--«Traidor, concedo-te o perdão.
Além de meu carrasco és inda o meu
irmão.
Pregaste-me na cruz; é o mesmo, fica em paz.
Eu costumo
esquecer o mal que alguem me faz.
Eu tenho até prazer, bem vês, no
sacrificio.
Não te cause remorso o meu atroz suplicio,
Estes golpes
crueis, estas horriveis dores.
As chagas para mim são outras tantas
flôres!»
Judas fitou ao longe os cerros do calvario,
E erguendo-se viril,
soberbo, extraordinario,
Exclamou:
--«Não acceito a tua compaixão.
A Justiça dos bons consiste no
perdão.
Un justo não perdôa. A justiça é implacavel.
A minha acção
é infame, hedionda, miseravel;
Preguei-te nessa cruz, vendi-te aos
Farizeus.
Pois bem, sendo eu um monstro e sendo tu um Deus,
Vais
vêr como esse monstro, ó pobre Christo nu,
É maior do que Deus,
mais justo do que tu:
Á tua caridade humanitaria e doce,
Eu prefiro
o dever terrivel!»
E enforcou-se.
O PAPÃO
As creanças têm medo á noite, ás horas mortas
Do papão que as
espera, hediondo, atraz das portas,
Para as levar no bolso ou no capuz
d'um frade.
Não te rias da infancia, ó velha humanidade,
Que tu
tambem tens medo ao barbaro papão,
Que ruge pela boca enorme do
trovão,
Que abençôa os punhaes sangrentos dos tyranos,
Um papão
que não faz a barba ha seis mil annos,
E que mora, segundo os bonzos
têm escripto,
Lá em cima, de traz da porta do Infinito.
PARASITAS
No meio d'uma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar em
cima d'um jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem
braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.
Os magros histriões, hypocritas, devassos,
Exploravam assim a flor
do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns
olhos sem calor e sem intendimento.
E toda a gente deu esmola aos taes ciganos;
Deram esmola até
mendigos quasi nùs.
E eu, ao ver este quadro, apostolos romanos,
Eu lembrei-me de vós, funambulos da Cruz.
Que andaes pelo
universo ha mil e tantos annos
Exhibindo, explorando o corpo de
Jesus.
RESPOSTA AO SILLABUS
Fanaticos, ouvi as coisas que eu vos digo:
Dentro d'essa prisão cruel do dogma antigo
A consciencia não póde
estar paralisada,
Como n'um velho catre uma velha entrevada.
Tudo
se modifica e tudo se renova:
Da escura podridão nojenta de uma
cova
Sae uma flôr vermelha a rir alegremente.
A ideia tambem
muda a pel' como a serpente.
O que era hontem grão é hoje a seara
immensa.
A Verdade sahiu d'esse casulo--a Crença,
Assim como
sahiu do velho o mundo novo.
Recolher outra vez a aguia no seu ovo
É impossivel; quebrou o involucro ao nascer.
Como é que pòdes tu
ó Egreja, pretender,
Cerrando na tua mão um box enorme--o inferno,
Levar aos encontrões o espirito moderno,
Leval-o para traz, para o
passado escuro,
Como um bandido leva um homem contra um muro?!
A trajectoria immensa e fulva da verdade
Não se póde suster com a
facilidade
Com que Jusué susteve o sol no firmamento.
Atirar a
justiça, a ideia, o pensamento
Ás fogueiras da fé, ó bonzos, é
impossivel:
Reduzirdes a cinza o que? O incombustivel!
Loucos!
ide dizer ao velho Torquemada
Que queime se é capaz n'um forno
uma alvorada!
.................................... Sacristas,
Ajuntae, reuni os
balandraus papistas,
As fardas sepulcraes do exercito da fé,
A capa
de Tartufo, a loba de Claret,
A cogula do monge, enfim, tudo que seja
Côr da nolte; arrancae o velho crepe á egreja,
Dos caixões descosei
os panos funerarios,
Tisnae co'a vossa lingua as alvas e os sudarios,
E se inda precisaes mais sombras, mais farrapos,
Pedi ao corvo a aza,
o ventre immundo aos sapos,
Fabricae d'isto tudo uma cortina
immensa,
E tapando com ella o sol da nossa crença,
Nem mesmo
assim fareis o eclipse da aurora!
A consciencia não é a besta d'uma
nora.
Lembrai-vos que o Progresso é um carro sem travão,
E que
apagar em nós o facho da razão
É o mesmo que apagar o sol quando
flameja
Com um apagador
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