A velhice do padre eterno | Page 6

Guerra Junqueiro
suja,?Representaes a far?a estupida e sombria?D'um conego a lavar um astro n'uma pia,?Finalmente extrahis da innocencia o pecado,?Que é o mesmo que extrahir d'uma rosa um cevado,?E tudo isto porque?
Porque na biblia um mono?Devora uma ma?? sem licen?a do dono!
EURICO
Cod. civil art. 1057 e 4031
Eurico, Eurico, ó pallida figura,?Lastimoso, romantico levita,?Que nos serros do Calpe em noite escura?Ergues as m?os á abobada infinita;
Rasga a pagina santa da Escriptura;?O espirito de luz que em nós habita?Já n?o consente essa ideal loucura?Que faz do amor uma paix?o maldita.
Deixa a soid?o dos montes escalvados;?N?o soltes mais os threnos inflamados,?Nem tenhas medo ás garras do demonio.
Beija a Hermengarda, a timida donzella.?E vai de bra?o dado tu e ella?Contrahir civilmente o matrimonio.
A ARVORE DO MAL
Por debaixo do azul sereno, entre a fragancia
Dos mirtos, dos rosaes,?Viviam n'uma doce e n'uma eterna infancia
Nossos primeiros paes.
Seus corpos juvenis, mais alvos do que a lua,
Mais puros que os diamantes,?Conservavam ainda a virgindade nua
Das coisas ignorantes.
Poz Deus n'esse jardim com sua m?o astuta
Ao lado da innocencia?A Arvore do Mal que produzia a fructa
Venenosa da sciencia.
E, apezar de conter venenos homicidas
E o germen do pecado,?Era Deus quem comia á noite, ás escondidas,
Esse fructo vedado.
Por isso Jehovah tinha sciencia infinda,
Tinha um poder secreto,?E Ad?o que n?o provara os fructos era ainda
Um anjo analfabeto.
Eva colheu um dia o bello fructo impuro,
O fructo da Ras?o.?N'esse instante sublime Eva tinha o Futuro
Na palma da sua m?o!
O homem, abandonado a submiss?o covarde,
Viu o fructo e comeu.?Esse fructo é a luz que a Jupiter mais tarde
Roubará Prometheu.
E ao vêr igual a si a estatua que creara,
O homem reprobo e nu,?Jehovah exclamou: ?Maldita seja a seara?cuja semente és tu!?
Veio depois a Egreja e repetiu aos crentes
De toda a humanidade:??Maldito seja sempre o que enterrar os dentes
Nos fructos da Verdade!?
A Egreja permittia esse vedado pomo
Sòmente aos sacerdotes.?Da arvore do mal fugia o mundo, como
Os lobos dos archotes.
Se o sabio que buscava o oiro nas retortas
Ia como um ladr?o?Roubar timidamente, á noite, ás horas mortas
Algum fructo do ch?o,
Tiravam-lhe da boca esse fructo damninho
D'uma maneira suave:?Atando-lhe á garganta uma corda de linho
Suspensa d'uma trave.
Um dia um visionario, alma vertiginosa,
Espirito immortal,?Foi deitar-se, que horror! á sombra temerosa
Da Arvore do Mal.
A Egreja ao vêr aquella intrepida heresia
Lan?a-lhe excomunh?es;?Tomba por terra um fructo... e Newton descobria
A lei das atrac??es!
Sacudi, sacudi, a arvore maldita,
Que os astros tombar?o,?Como se sacudisse a abobada infinita
Deus com a propria m?o!
E quando o mundo inteiro emfim houver comido
Até á saciedade?O fructo que lhe estava ha tanto prohibido,
O fructo da Verdade,
Homens, dizei ent?o a Jehovah:--?Tirano,
Vai-te embora d'aqui!?Construimos de novo o paraiso humano;
Fizemol-o sem ti.
?Expulsaste do Olimpo a humanidade outr'ora,
ó despota feroz;?Pois bem, o Olimpo é nosso, e Jehovah, agora
Expulsamos-te nós!
A SEMANA SANTA.
I
N?o podendo dormir no horror da sepultura,
Na podrid?o escura?Da terra immunda e fria,?Voltaire despeda?ando o feretro chumbado,?E cingindo o len?ol ao corpo esverdeado
Resuscitou um dia.
Pairava-lhe no labio o riso fulminante?Com que outr'ora gravou nas cren?as virginaes,?Como n'um rico espelho a aresta d'um diamante,?Tamanhas abjec??es, sarcasmos t?o brutaes.?Mas era ao mesmo tempo o riso heroico e bom?Que os tiranos prostrava em misero desmaio,?Riso a que succedeu o verbo de Danton,?Como a um trov?o succede o lampejar d'um raio.?Dormira febrilmente um longo somno inquieto?Em quanto andava o mundo a executar-lhe os planos,?E vinha ver emfim, diabolico architeto,?O estado da sua obra ao cabo de cem annos,?ó satiro divino, ò monstro da ironia,?Genio que Deus conduz e Satanaz impelle,?Que esmagas hoje o _infame_, e escreves no outro dia?Com a tinta do enxurro os versos da Pucelle;?Tu és feito de luz e feito de baixesas,?Feito de heroicidade e de protervias más;?Corromperam-te a alma os bra?os das duquezas?E encarguilhou-te a face o rir de Satanaz.?Rasgas ao mundo novo a estrada do futuro?Cantando ao mesmo tempo o sordido deboche:?és como um Juvenal dentro d'um Epicuro,?ó arlequim-titan, ó semi-deus-gavroche.?N'esse labio mordente esso sorriso eterno?Faz frio como a ponta aguda d'uma espada;?O teu genio, Voltaire, é como o sol do inverno,?Dá muitissima luz, mas n?o aquece nada.?Em v?o por sobre a paz dos campos desolados?Elle entorna do azul seus vivos esplendores;?N?o cantam rouxinoes nas sebes dos vallados,?N?o faz nascer o trigo e germinar as flores.?é que nunca soubeste o que é a d?r profunda?Que estalla fibra a fibra os grandes cora??es;?é que nunca choraste, ó Prometheu corcunda,?Como Dante chorou, como chorou Cam?es?Voltaire, ó rachador de velhos preconceitos,?Aos golpes de teu riso, a golpes de machado?Cairam sobre a terra athleticos, desfeitos?Na floresta da noite os cedros do passado.
Mataste a tradi??o, o dogma, o privilegio,?Assobiaste a rir a fé de nossos paes,?E andaste pelo azul, hediondo sacrilegio!?A correr á pedrada os deuses immortaes.?Empunhando o alvi?o terrivel da verdade?Tu minaste, Voltaire, infatigavelmente?O alicerce de bronze à velha sociedade.?Do teu riso cruel a onda dissolvente?Foi como os vagalh?es, arietes do mar,?Que cavam sob a rocha um t?o profundo abismo?Que a rocha fica quasi assente sobre o ar.?Tu minaste, Voltaire, a rocha despotismo.?E
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