A velhice do padre eterno | Page 7

Guerra Junqueiro
depois de ter feito a excava??o noturna,?Como fazem no monte as feras sanguinarias,?Encheste até á bocca essa medonha furna?Com barris de petroleo e bombas incendiarias?E em quanto o niveo pé soberbo de Antonieta?Da Fran?a estrangulava a suplicante voz,?Tu lan?avas de longe a tragica luneta,?Velho Fauno cruel, rindo com riso atroz.?Até que um dia emfim exausto de cansa?o,?Sentindo jà sem for?a as garras de condor,?Tu chegaste, Arouet, sem te tremer o bra?o,?Ao rastilho da mina o fogo abrasador.?Cobriu-se ent?o o azul d'uma tormenta escura,?Echoou lugubremente o estrondo de trov?o,?Viste arder o rastilho até uma certa altura,?E foste-te esconder, a rir, na sepultura?Mal se ia aproximando a hora da explos?o.
Quando resuscitou Voltaire ficou atonito?Vendo os nossos chapeus e as nossas cal?as pretas,?Mas como desejava andar no mundo incognito,?E n?o lêr o seu nome impresso nas gazetas,?Oh, a necessidade a quanto nos obriga!?Voltaire o diplomata, o cortez?o taful?Largou a juba d'oiro, a cabelleira antiga?E foi vestir-se á moda aos armasens do Pool.?Na sexta feira santa os templos percorria?Voltaire para observar os crentes verdadeiros?No dia da paix?o, no luctuoso dia?Em que se faz de Christo o deus dos confeiteiros.?Arouet, ao vêr aquella estupida far?ada,?Foi acordar Jesus na sua campa ignorada?E disse-lhe:
II
--?Anda vêr ó Christo estes bandidos.
Que rostos t?o floridos,?Que bellas digest?es!?ó pallido Jesus, ò scismador antigo,?Levanta-te da campa e vem d'ahi commigo
A vêr estes ladr?es.
Nós vamos passeiar juntos, de bra?o dado,?Mas vestirás primeiro um frak bem talhado
De fino pano inglez,?E hasde p?r na cabe?a este chapeu redondo,?Para ficar gentil, para ficar hediondo
Como qualquer burguez.
Tu odeias de certo estas casacas pretas,?Mas n?o quero, Jesus, que tu me compromettas?Com esse balandrau muitissimo rat?o.?Se eu fosse ao boulevard comtigo e alguem me visse,?Ninguem oh, fl?r do tom! ninguem, oh canalhice!
Me apertaria a m?o.
O talhe d'um colete e os pontos d'uma luva,?A menor frioleira, um simples guarda chuva,?Substituiram hoje as regras de Lavater:?Passando eu por accaso enodoado e roto,?Diriam: ?Que chapeu! que pulha! que maroto!?Aquelle homem n?o tem nem sombras de caracter!?
Anda, veste a farpella. Agora, sim senhor!?Muito grotesco és, meu pobre Redemptor!?Vais a comprometter-me, ó alma do Diabo!?Que figura infeliz, inteiramente chata!...?Pelo menos corrige o la?o da gravata?E p?e na _boutoniere_ este jasmim do Cabo.
Necessitas de ter maneiras delicadas?E a arte de dizer uns pequeninos nadas
Com chic e distinc??o. Ser Deus é muito bom;?Mas é preciso ser um deus da fina roda,?Um deus do nosso tempo, um deus da ultima moda,?Um deus _petit-crevé_, um deus á _Benoiton_.
Se amanh? por acaso alguem, medita n'isto,?Te fosse apresentar--Sua Ex. o Christo--?Nos devotos sal?es do bairro S?o-Germano,?Oh escandalo! oh far?a! oh padre omnipotente!?As duquezas, sorrindo aristocratamente,?Achavam-te decerto um Deus provinciano.
Saiamos para a rua. A gente anda de lucto,?Porque consta que outr'ora un visionario, un bruto,?Se deixara morrer pregado n'um madeiro.?E hoje em memoria d'isto os paes compram ás filhas,
Tres caixas de pastilhas?Na loja d'um doceiro.
Quanta mulher formosa ahi nesses balc?es!
Que lindas tenta??es,?Meu palido judeu!?Deixa por um instante as regi?es serenas;
Namora estas pequenas,?Que ellas h?o de gostar do teu perfil hebreu.
Arranja um casamento e aprende a ter juizo.?A noiva pouco importa; o dote é que preciso?Discutil-o. Olha lá, os paes que sejam velhos!...?Que vá para o diabo o reino da Utupia!?E h?ode-te nomear socio da academia?E, quem sabe! talvez bar?o dos Evangelhos.
Penetremos na egreja a vêr esta far?ada.?Uns entram para vêr a casa illuminada,?Os dandys é por _chic_, os velhos por _dec?ro_;?Estes é para ouvir tocar umas quadrilhas,?E os outros, que sei eu!... para vender as filhas,?Para matar o tempo ou arranjar namoro.
Lá vai o pregador dizer a seremonata?Tussiu cuspiu, sorriu, bebeu a sua orchata?E come?a a fallar. Tem uns bonitos dentes.?E com gesto facundo e voz amaneirada
Receita una enfiada?De tropos excellentes.
Acabou se. O auditorio?Gostou do farelorio?Como gostámos nós.?Soltam-se exclama??es por entre algum rumor:?--_Muito bem! muito bem!_--_é um grande pregador!_--?--_Foi um rico serm?o!_--_E que bonita voz!_
E é esta a tua casa, ó meu pobre Jesus!
N?o te bastou a cruz;?Era preciso o altar,?Que destino cruel, que tragica ironia!
Nasces na estrebaria,?Vives no lupanar!
Desfila pela rua immensa multid?o.
Saiu a prociss?o;?Paremos um instante. é curioso isto.?Que far?as imbecis, que velhas pompas mudas!?Lá vae pegando ao palio o teu amigo Judas,?Que está, como tu vês, commendador de Christo!
Os anjos theatraes caminham lentamente?Com azas de gal?o feitas expressamente
Nas lojas de Pariz.?Pobres anjos do céo! querem martirisal-os:?V?o cheios de suor e apertam-lhe os calos
As botas de verniz.
Agora passas tu n'um palanquim bordado.
Coidado!?Muito trabalho tem quem faz religi?es!?Repara como vais, olha que bella tunica:
é pavorosa, é unica!?Off'receu-t'a um burguez n'um dia de elei??es.
E atraz do velho andor e atraz das velhas opas?V?o desfilando agora os esquadr?es das tropas
Com gesto marcial.?Tu que amavas os bons, os simples e as crean?as,?Seguido como os reis d'um matagal de lan?as,
Meu pobre general!
Terminou a func??o. é negro o firmamento.
Ai que aborrecimento!?ó meu Jesus, que tedio!?Para poder dormir, para poder ceiar,?Que hade a gente fazer? vamos ao lupanar,
N?o ha outro remedio.
Alli tens, meu amigo, os conegos
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