A velhice do padre eterno | Page 5

Guerra Junqueiro
um la?o á garganta. O seu olhar odioso?Tinha n'esse momento um brilho diamantino,?Recto como um juiz, forte como um destino.
N'isto echoou atravez do negro céo profundo?A voz celestial de Jesus moribundo,?Que lhe disse:
--?Traidor, concedo-te o perd?o.?Além de meu carrasco és inda o meu irm?o.?Pregaste-me na cruz; é o mesmo, fica em paz.?Eu costumo esquecer o mal que alguem me faz.?Eu tenho até prazer, bem vês, no sacrificio.?N?o te cause remorso o meu atroz suplicio,?Estes golpes crueis, estas horriveis dores.?As chagas para mim s?o outras tantas fl?res!?
Judas fitou ao longe os cerros do calvario,?E erguendo-se viril, soberbo, extraordinario,?Exclamou:
--?N?o acceito a tua compaix?o.?A Justi?a dos bons consiste no perd?o.?Un justo n?o perd?a. A justi?a é implacavel.?A minha ac??o é infame, hedionda, miseravel;?Preguei-te nessa cruz, vendi-te aos Farizeus.?Pois bem, sendo eu um monstro e sendo tu um Deus,?Vais vêr como esse monstro, ó pobre Christo nu,?é maior do que Deus, mais justo do que tu:?á tua caridade humanitaria e doce,?Eu prefiro o dever terrivel!?
E enforcou-se.
O PAP?O
As crean?as têm medo á noite, ás horas mortas?Do pap?o que as espera, hediondo, atraz das portas,?Para as levar no bolso ou no capuz d'um frade.?N?o te rias da infancia, ó velha humanidade,?Que tu tambem tens medo ao barbaro pap?o,?Que ruge pela boca enorme do trov?o,?Que aben??a os punhaes sangrentos dos tyranos,?Um pap?o que n?o faz a barba ha seis mil annos,?E que mora, segundo os bonzos têm escripto,?Lá em cima, de traz da porta do Infinito.
PARASITAS
No meio d'uma feira, uns poucos de palha?os?Andavam a mostrar em cima d'um jumento?Um aborto infeliz, sem m?os, sem pés, sem bra?os,?Aborto que lhes dava um grande rendimento.
Os magros histri?es, hypocritas, devassos,?Exploravam assim a flor do sentimento,?E o monstro arregalava os grandes olhos ba?os,?Uns olhos sem calor e sem intendimento.
E toda a gente deu esmola aos taes ciganos;?Deram esmola até mendigos quasi nùs.?E eu, ao ver este quadro, apostolos romanos,
Eu lembrei-me de vós, funambulos da Cruz.?Que andaes pelo universo ha mil e tantos annos?Exhibindo, explorando o corpo de Jesus.
RESPOSTA AO SILLABUS
Fanaticos, ouvi as coisas que eu vos digo:
Dentro d'essa pris?o cruel do dogma antigo?A consciencia n?o póde estar paralisada,?Como n'um velho catre uma velha entrevada.?Tudo se modifica e tudo se renova:?Da escura podrid?o nojenta de uma cova?Sae uma fl?r vermelha a rir alegremente.?A ideia tambem muda a pel' como a serpente.?O que era hontem gr?o é hoje a seara immensa.?A Verdade sahiu d'esse casulo--a Cren?a,?Assim como sahiu do velho o mundo novo.?Recolher outra vez a aguia no seu ovo?é impossivel; quebrou o involucro ao nascer.?Como é que pòdes tu ó Egreja, pretender,?Cerrando na tua m?o um box enorme--o inferno,?Levar aos encontr?es o espirito moderno,?Leval-o para traz, para o passado escuro,?Como um bandido leva um homem contra um muro?!?A trajectoria immensa e fulva da verdade?N?o se póde suster com a facilidade?Com que Jusué susteve o sol no firmamento.?Atirar a justi?a, a ideia, o pensamento?ás fogueiras da fé, ó bonzos, é impossivel:?Reduzirdes a cinza o que? O incombustivel!?Loucos! ide dizer ao velho Torquemada?Que queime se é capaz n'um forno uma alvorada!?.................................... Sacristas,?Ajuntae, reuni os balandraus papistas,?As fardas sepulcraes do exercito da fé,?A capa de Tartufo, a loba de Claret,?A cogula do monge, enfim, tudo que seja?C?r da nolte; arrancae o velho crepe á egreja,?Dos caix?es descosei os panos funerarios,?Tisnae co'a vossa lingua as alvas e os sudarios,?E se inda precisaes mais sombras, mais farrapos,?Pedi ao corvo a aza, o ventre immundo aos sapos,?Fabricae d'isto tudo uma cortina immensa,?E tapando com ella o sol da nossa cren?a,?Nem mesmo assim fareis o eclipse da aurora!?A consciencia n?o é a besta d'uma nora.?Lembrai-vos que o Progresso é um carro sem trav?o,?E que apagar em nós o facho da raz?o?é o mesmo que apagar o sol quando flameja?Com um apagador de lata d'uma egreja.
Bonzos, podeis dizer á humanidade--Pára!--?Co'a foice excomunh?o podeis ceifar a ceara?Da heresia; podeis, segundo as ordenan?as,?Metter pedras de sal na boca das crean?as,?Fazer do Deus do amor o Deus barbaridade,?Chamar á estupidez irm? da caridade?E jesuita a Jesus e Christo a Carlos sete;?Vós podeis discutir junto da campa o frete,?Recoveiros de Deus, o frete que é preciso?Para irdes levar lá cima ao paraiso?A alma d'um defunto; ó bonzos, vós podeis?Ir pedir emprestado um exercito aos reis?E defender com elle o papa, o vaticano,?Do cerco que lhe faz o pensamento humano,?Pondo adiante d'um dogma a boca d'um canh?o;?Podeis encarcerar dentro da inquisi??o?Galileu; vós podeis, an?es, contra os ciclopes?Roncar latim, zurrar serm?es, brandir hyssopes,?Que n?o conseguireis que a Liberdade vista?A batina pingada e rota d'um sacrista,?Que o direito se ordene, e que a Justi?a queira?Ir a Roma tomar, contricta, o véo de freira!
O BAPTISMO
Exeat de vobis spiritus malignas. RITUAL.
Baptisaes: arrancaes d'um anjo um satanaz.?Desinfectaes Ariel banhando-o em aguarraz?De egreja e no latim que um malandro expectora,?Dizeis á noite:--limpa a tunica da aurora,?E ao rouxinol dizeis:--pede a ben??o da c'ruja.?Daes os lirios em fl?r ao rol da roupa
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