A senhora Rattazzi | Page 4

Camilo Castelo Branco
monstruosos chamados Gog e Magog que
assistem á recepção do lord-maior no salão Guil-Hall. Depois, mais
irrisorias que os archeiros, as sentinellas da Torre de Londres, chapéos
de velludo emplumados, adaga á ilharga, farda escarlate acolchetando
nas costas, e as armas de Inglaterra com a tenção de Henrique VIII
matizadas no peito. E que nos diz a snr.^a Rattazzi ás cabelleiras Luiz
XV, de cachos empoados, com que se toucam os juizes antes de se
amezendrarem com offenbachiana parlapatice magestosa nas cadeiras
da magistratura em Westminster-Hall? E aquelle sumptuoso coche
tirado por cavallos baios em que se estadêa o carniceiro opulento, com
os braços nús e a camisa arremangada até ás claviculas? Se a
Gran-Bretanha nos não exhibisse estas gargalhadas, teriamos de nos
remediarmos com o producto da ex-princeza Studolmire Wyse que só
de per si tem a vis insita, a força ridicula latente das dynamisações
altas.
Penetra na vida intima dos portuguezes, no segredo dos seus amores
castos, amor que só os olhos exprimem. Não gosta. Acha isto
semsaboria, e chama-lhe paixão è olhadas, para exprimir bem
portuguezmente a cousa. Á Casa Havaneza, onde se refastelam muitos
dos taes «apaixonados das olhadas», chama clubo des bavards. Diz que
em Portugal as meninas de doze annos tem olhadas e carteiam-se.
Acrescenta que é rara uma mulher galante portugueza; mas que os
homens são, na generalidade, bonitos e bem feitos--beaux et bien faits.
Isto captiva a gente. Contou alguem á princeza a historia fresca de um
velho par do reino «que se lambia» dizendo a paixão que inspirára a
uma joven que só á beira d'elle sentia o lyrismo e as delicias do amor.
A snr.^a Rattazzi espantou-se, e do velho idiota inferiu que em Portugal
todos os velhos se lambiam d'amor.

Foi aos touros; viu os capêlhas portuguezes, e os torreros e os forçados
(forcados) que ella diz assim chamarem-se, forçados, porque forçam os
applausos. Está em primeira mão esta sandice. (Se o leitor quizer
corrigir a minha indelicadeza, onde está sandice leia sandwiche). Como
successor do conde de Castello Melhor no garbo e destreza cavalleirosa
de toureiro, menciona Rebello da Silva el Castro. Provavelmente do
historiador da Ultima corrida de touros em Salvaterra fez um toureiro
equestre no campo de Sant'Anna. Diz que, a pedido da commissão,
offerecera uma «mona»--reminiscencia poetica da idade média. Achou
na idade média as monas. Sua alteza acha um tanto canibal o prazer das
touradas, mas nem por isso é moins immense (este immenso menor que
o immenso maior, é bom). Nos theatros da Trinidade e do Principo,
desagradou-lhe o pessimo costume de pateader. Diz que as obras do
theatro de S. Carlos foram dirigidas por Santo Antonio da Cruz Sobral.
Lá fóra ha de cuidar-se que temos um Santo Antonio de Lisboa para os
milagres e outro Santo Antonio da Cruz para os theatros.
Sobre politica decifra alguns artigos bons do Pimpão e guiza varias
beldroegas de sua lavra. Entra bem na questão financeira, na fiduciaria,
dos Bancos, no escandalo das loterias e do jogo. Faz um moral
opusculo em assumpto de rolêta.
Tratando de jornaes, traslada e traduz annuncios aphrodisiacos do
Diario de Noticias, e diz que o snr. Thomaz Antunes é moco fidalgo. O
snr. Antunes não é fidalgo moco; tem a cedilha: saiba-o a França. Do
Jornal da Noite, escreve que A. A. Texero de Vasconcellos noticiava
principalmente anniversarios e nascimentos, dava a lista dos numeros
mais premiados na loteria, e d'isso ia vivendo. Assim atassalha a snr.^a
Rattazzi a reputação jornalistica do mais rijo pulso athleta que teve a
arêna dos gladiadores politicos--o rival de A. Rodrigues Sampaio. Nem
A. Augusto era outra cousa. Logo veremos como ella conceitua
socialmente o seu conviva e panegyrista.
Menciona como collaborador da Correspondencia de Portugal o snr.
Rodrigues de Treitas. Se lhe chama Tretas ao illustrado e honesto
republicano, merecia uma descompostura.
Tambem versa a questão cornigera dos gados, des bestiaux. Louva, ao

intento, um Relatorio do snr. conselheiro Morres Soares. Morres?
Longe vá o agouro. Desejo que o snr. Moraes Soares viva muitos annos,
para nos dar muitos relatorios sobre bestiaux, e mais occasiões a que
esta princeza se occupe das nossas vaccas--objecto em que é ella a
unica senhora concorrente com as leiteiras saloias.
Em uma pagina util e talvez a unica proveitosa aos viajantes, informa
ácerca dos hoteis. Diz que no «Hotel de Lisbonne» ha muitos ratos; no
«Alliança» persevejos; e no «Gibraltar» baratos (não confundir preços
baratos com «baratas», ou «carochas»). Depois d'esta asseveração
impugnavel, esteia a sua affirmativa em uma passagem do Cousin
Bazilio onde se lê que em Lisboa ha persevejos. Luxo escusado de
erudição. Os persevejos em Lisboa são d'uma tamanha evidencia fetida
e mathematica que se dispensava o testemunho do snr. Eca de Queroz,
de Querioz, ou de Querioze, que vem citado como Plinio para os
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