A senhora Rattazzi | Page 5

Camilo Castelo Branco

lacráos, e Livingstone para a Tsetse-fly, mosca mortifera da Africa.
Espanta-se dos muitos Burnay que em Lisboa exercitam varios ramos
de industria. Acha que a Lusitania, n'este medrar de Burnay, virá a
chamar-se Burnaisie. Depois escreve: Il faut mentionner, ne fût ce que
pour faire contraste, les Gallegos à cotê des Burnay. Les uns exploitent,
les autres sont exploités. Esta princeza, com quem o snr. Ramalho
trocou o seu francez parisiense, de certo ouviu dizer ao festejado
escriptor que a familia Burnay é um grupo de homens honrados e
laboriosos que não se pejam de ser defrontados com outros homens
honestos e trabalhadores embora procedam da Galliza; mas não
exploram: trabalham e colhem, quando lh'o não desfalcam, o estipendio
honesto das suas fadigas.
Tem bons chascos quando zomba dos nossos viscondes das Ervilhas e
do Esperregado. D'estes viscondes saberá sua alteza que se fazem as
princezas do Esperregado e das Ervilhas. Se a snr.^a Rattazzi se
lembra d'arranjar um visconde dos Tabacos, sahido d'um estanco, esse
visconde ferido na sua honrada industria, poderia lembrar á neta de
Luciano Buonaparte que a princeza Rattazzi é bisneta d'um vendedor
de tabacos, pai de sua avó, a snr.^a Blescamb, viuva d'um empregado
bancario. Mas os tabacos trahiram-na, quando, enxovalhando os

enormes serviços do fallecido conde de Farrobo á causa da liberdade,
diz desdenhosamente que o pai do conde tinha o monopolio dos
tabacos e que a sua nobreza era de fabrica.
Esteve a snr.^a Rattazzi em Pedroncos e Massa. O leitor que já lhe
conhece o processo da orthographia geographica, entende que ella
esteve em Pedrouços e Mafra. Exhibe as vulgaridades obrigatorias, e
dá-nos a noticia inedita e lisonjeira de que Byron chamou a Cintra
glorious Eden.
Espeta-se na historia da litteratura portugueza, lamentando que não haja
uma grammatica official. Ha dez ou doze officialmente approvadas;
mas não é isso que a snr.^a Rattazzi pretende: quer uma grammatica
official, uma cousa em que os poderes legislativo e moderador
decretem positivamente o que ha sobre o gerundio e o participio
indeclinavel. Para que diabo quereria ella uma grammatica official?
Depois, estabelece a fileira dos escriptores classicos, e manda lêr as
Cartas de Marianna de Alcofarrada. Infausta freira! um francez
atormentou-lhe o coração: e uma irlandeza martyrisou-lhe o appellido.
Alcofarrada! Credo!
Disseram-lhe que Affonso Henriques teve um aio, Egas Moniz, o da
lenda heroica, que era poeta. Teve ignorantissimos informadores que
confundiram o aio Egas Moniz com o trovador Egas Moniz Coelho,
fabuloso author das conhecidas trovas.
Trata dos Autos, mysterios christãos posteriores ás judarias--uma
perfeita judiaria d'esta litterata;--e conclue que as melhores peças do
theatro moderno portuguez são a Nova Castros de João B. Gomes, e a
Osmia da condessa de Vimieiro. Convém saber que o Gomes e a
condessa estão enterrados ha bons 70 annos. Tem este modernismo.
Em seguida, põe á frente do progresso dramatico José Freire de Serpa,
Alexandre Herculano, e mais o snr. Ennes. Estão bem postos todos tres.
Entre os oradores especifica o conde de Thomaz; e, como Manoel
Passos dava eloquencia a dous, fez d'elle dous oradores--um orador
Silva, e outro orador Passos. Diz que Rodrigues Sampaio é o primacial

do jornalismo litterario; não chega a attribuir-lhe algum soláo. Quanto a
Almeida Garrett, escreve que era um catholico cheio de fé e sem
philosophia, e por isso não fez escóla nem discipulos. Idéas parvoinhas
do snr. Theophilo Braga.
Conta que Alexandre Herculano viera em 1836 da emigração que lhe
inspirára a Harpa do Crente. Que Alexandre Herculano, antes de
emigrar, estivera ao serviço de D. Miguel--qu'il avait servi d'abord. E,
no restante, as idéas do snr. Ramalho expendidas nas Farpas, mas um
pouco deturpadas. Aquelle grande homem, Herculano, segundo conta a
snr.^a Rattazzi, visitou-a e levou-lhe os seus livros. Diz ella que foi a
ultima visita que fez o eminente escriptor. Se isto é verdade, foi a
ultima e talvez a primeira asneira da sua vida.
No seu grande juizo, A. Herculano devia achal-a ridicula. Uma ingleza
ridicula equivale a dous inglezes ridiculos. Ora, A. Herculano tinha
escripto: Dous inglezes ridiculos são incontestavelmente as duas
cousas mais ridiculas d'este mundo. Eu creio no contundente publicista
Silva Pinto--um grande lapidario de phrases causticas, tartarisadas. Diz
elle que Alexandre Herculano não a visitou. Elle era mais austero e
sensato que o padre Lamennais e o astronomo Babinet, do Instituto,
que no poente da vida e na aurora da tolice lhe escreviam versos e
prosas de pieguice senil. O velho astronomo explicava-se assim,
paternalmente, ha dezoito annos:
Sans cesse vous brillez de charmes imprévus; Près de vous on ne peut
jamais manquer de verve; Car vous avez les attraits de Vénus Avec les
talents de Minerve [1]!
Os attractivos de Venus. Bom proveito. E, depois, esta senhora zomba
dos portuguezes velhos que se babam d'amor! Pudera não! Quando nos
apparecem bellezas mythologicas, a
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