A senhora Rattazzi | Page 3

Camilo Castelo Branco
o processar; mas o povo, impacientado com as delongas do processo, atirou-o ao mar. ?Como é que este malandrim (pergunta Campbell na biographia de Shakspeare) chegou a ser transformado em S. Jorge, patrono dos exercitos, da arma de cavallaria e da ordem da Jarreteira?? Campbell diria á senhora princeza: ?Patricia, antes de escarnecer as cren?as portuguezas, zombe das inglezas. O santo é nosso, e Deus sabe que bestialidade grande praticaram os lusos admittindo um santo da Gran-Bretanha na vanguarda d'uma jolda de velhacos que lhes fizeram á industria da metropole e ás colonias d'Africa o que o tal Jorge fez ao toucinho dos soldados romanos?.
Ora, se é facto que o sujeito sizava a carne de porco das legi?es romanas, esse devia ser coherentemente o santo tutelar d'Inglaterra. Eu, porém, segundo a minha historia ecclesiastica, muito mais orthodoxa e correcta que a de Campbell, pendo a crêr que S. Jorge era um principe da Cappadocia que soffreu martyrio, imperando Diocleciano, depois de ter matado um certo crocodilo que queria comer a filha do rei Aja. Jorge levou talvez em vista, n'este crocodilicidio, plagiar Perseu que matou outra fera que queria comer Andromeda, filha do rei Cepheu. O que é certo é que os saxonios, estes selvagens, incapazes de produzir um santo, adoptaram o da Cappadocia. Nós é que n?o tinhamos necessidade do santo, dando-se o caso de mais a mais de sermos ridiculisados por causa d'elle no livro da snr.^a Rattazzi, princeza que de certo n?o vai ao florilegio como o seu collega principe Jorge.
Sobre materia intrincada de cultos, presume que o enigma poderia ser resolvido pelo bispo de Visens, Alves Martius. Este nome está bastante corrompido para se pensar que o prelado de Visens Martius é um bispo mosarabe, coevo do duque de Laf[oe]s, com diphthongo.
Deturpar nomes de bispos e duques pouco importa; é muito peor divulgar, ácerca das realengas aspira??es d'uma duqueza benemerita de respeito, umas chocalhices cochichadas nas salas, mas nunca escoadas pelo esg?to da imprensa séria. Allude em termos esbandalhados de actriz patusca ao duque, marido d'essa duqueza, e attribue ás barrigas das senhoras portuguezas um exquisito predominio abdominal sobre os esposos. Esta senhora, que tem apenas a carne indispensavel para se n?o confundir com um fluido, abomina metaphoricamente os ventres grandes, as barrigas das damas portuguezas fidalgas que nobilitam nas suas membranas os maridos e os filhos. Pilherias de farceuse de goguette. Umas buffoneries de petit souper,--can-can de sobre-loja entre costureiras que bebem do fino e teem namoros nas cavalhari?as do pa?o.
A snr.^a Rattazzi ri muito das superfeta??es cosmeticas e oleosas do conde de M. Valha-nos Deus! A snr.^a princeza, como objecto colorido, é ha muitos annos uma chromo-lithographia das obras do bibliophilo Jacob. Que Alphonse Karr me n?o deixe mentir.
Do duque de Saldanha repete anecdotas chinfrins que p?em gargalhadas sobre a campa do bravo caudilho a quem D. Pedro IV agradeceu a cor?a de sua filha. Conta um dialogo forte que elle teve em 1851, ás quatro horas da manh?, com a rainha D. Maria Pia, e que ella mostrára desejos de o mandar espingardear. Ora, em 1851, a senhora D. Maria Pia, o Anjo, tinha quatro annos, e desde que veio para o throno de Santa Isabel e de Santa Carlota Joaquina apenas tem espingardeado alguns borrachos, 4 em 5. E o duque de Saldanha--conta a princeza--apresentou-lhe a esposa no seu palacio d'ella em Antin. Assim zomba a snr.^a Rattazzi dos seus amigos mortos e matraquêa Saldanha que a visitava, quando o Figaro a escarnecia e Pelletan lhe desenhava o perfil na Nouvelle Babylone.
Está a caracter quando, annotando um artigo espirituoso do Pimp?o, explica á Europa o que é o ?Perna de pau? e a ?Horta das tripas? (Jardin des tripes). Falla muito de faguêtes que a incommodam, e diz que Vm.^{cê} é o diminutivo de V. Exc.^a. Investigando a linguistica, observa que n?o dizemos o rei, mas el-rei; e que o el é recorda??o mourisca e vestigio da occupa??o dos arabes. Confunde o artigo hespanhol el (do latim ille) com o artigo arabico al, prefixo a muitas palavras portuguezas. As Therezas philosophas s?o muito mais vulgares que as Therezas philologas. Diz que o nosso ai Jesus! tambem é musulmano, e o se Deus quizer tambem é vestigio arabico. é uma mulher das arabias, ella!
Faz rir á custa dos archeiros que tocam o tambor á chamada. A snr.^a Rattazzi nasceu em Inglaterra onde hoje em dia se conservam usan?as ridiculas, ratices que se avantajam muito á do archeiro que rufa a caixa. Exemplo: os dous manequins monstruosos chamados Gog e Magog que assistem á recep??o do lord-maior no sal?o Guil-Hall. Depois, mais irrisorias que os archeiros, as sentinellas da Torre de Londres, chapéos de velludo emplumados, adaga á ilharga, farda escarlate acolchetando nas costas, e as armas de Inglaterra com a ten??o de Henrique
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