A senhora Rattazzi | Page 2

Camilo Castelo Branco
engenhando republicas carnavalescas. é n'esses periodicos de mixordias plebêas até ao asco que o snr. Theophilo Braga se esconde a escrever, como em parede de latrina, uns desabafos pelintras de quem n?o acha na imprensa séria fonticulos por onde suppurar o pus. A princeza póde contar com este panegyrista.

A SENHORA RATTAZZI
Depois de estudar os portuguezes e as portuguezas com frequentes visitas celebradas por menus economicos e risos de ironia larga, a snr.^a Rattazzi concebeu das suas impress?es viris e masculas um livro que deu á luz em janeiro, e denominou Portugal à vol d'oiseau. Portugais et portugaises.
Eu, creado no velho noticiario, tendo de annunciar o producto d'uma dama dado á luz, antes quizera, em vez d'um livro bom, annunciar um menino robusto. Acho muito mais sympathica a feminilidade das m?es pallidas, com olheiras, emaciadas, que aconchegam dos seios exuberantes a criancinha rosada, recem-nascida. N?o me commove nem alvoro?a o espectaculo d'uma authora que se remira e envaidece na brochura que deu á luz, obra entre cinco e sete tost?es--740 reis com estampilha. Por isso, antes quero noticiar um menino robusto que um oitavo compacto.
Principia a snr.^a Rattazzi por declarar com raro entono que conta e pinta o que viu sem deferencias pessoaes nem preoccupa??es do que a seu respeito se possa dizer ou pensar. Bom é isso. O menospre?o que a escriptora liberalisa á opini?o publica portugueza permitte á critica o dispensar-se de grandes melindres. á vontade.
Se alguém me arguir de bastante descosido no exame do livro, queira lêl-o com paciente pachorra, e verá que eu bispontei sobre os alinhavos atrapalhados da senhora princeza. Se me acharem um pouco em mangas de camisa, fa?am-me o favor de vêr que a shocking irlandeza nos visita de penteador de rendas transparentes e chinelinha de chinchilla.
Calumnía, apenas come?a, affirmando, contra o caracter d'esta boa gente portugueza, que D. Pedro V, e os infantes D. Luiz, D. Jo?o e D. Augusto foram atacados do typho-arsenical--envenenados. Uns morreram. D. Augusto ficou atarantado, mas com gra?a--uma timidez non dépourvue de charme; e D. Luiz, esse, teve de la chance:--que duas vezes f?ra preservado da sorte de Britannicus. Exceptuados os gremios palurdios d'algumas boticas de provincia, ninguem hoje repete semelhantes atoardas. Quando quizeram por odio politico enlamear a reputa??o immaculada d'um duque, desembéstaram-lhe o venabulo ao rosto sereno. O aleive cahiu ent?o, e levantou-se agora na indiscreta obra mexeriqueira da snr.^a Rattazzi.
Quando a morte fulminou, a curtos intervallos, na Italia, duas rainhas da Sardenha e o duque de Genova, madame Marie de Solms, em versos por signal muito ordinarios, insinuou que o fanatismo t?rvo dos padres tinha brandido nas trevas a cruz á fei??o de gladio. Na Italia era o clero, aqui foi o veneno dos Medicis. Acha que os principes n?o podem morrer de morte natural; e bem póde ser que sua alteza venha a acabar de doen?a reles, com pedra na bexiga, hydropica, com lombrigas, com grandes perturba??es flatulentas no seu apparelho digestivo--uma desgra?a para as letras.
Avaliando o clero portuguez, manda lêr o Crime do padre Amaro. Um romancista habil engenhou um padre mau que afoga um filho, uma perversidade estupida e quasi inverosimil em Portugal, onde os padres criam os afilhados paternalmente. Eis, segundo ella, o typo da clerezia portugueza, o padre Amaro. A snr.^a Rattazzi geme escandalisada sobre a corrup??o do sacerdocio, e cita o romance.
Do clero naturalmente deriva para o culto. A respeito do S. Jorge da prociss?o de Corpus-Christi, a princeza espirra fagulhas de espirito forte, d'um voltairismo sedi?o, com um desplante extraordinario em mulher. N?o se cohibe de gracejar com o symbolismo sempre respeitavel quando inculca, seja como f?r, uma religi?o e uma moral--cousas consubstanciaes. N?o a retém a senhoril e prudente modera??o de Sta?l e Sand, e sobretudo o feminil decoro de viuva duplicada, de m?i e de velha, embora os atavios fa?am pirra?a á chronologia. Moteja das pompas religiosas no tom das turlupinades da petrolista André Léo, e arma á risada com facecias d'um alumno da escóla-militar que leu o Testamento de Jean Meslier e o Citador de Lebrun.
Moteja dos Cyrios. Segundo ella, os portuguezes, tomando a parte pelo todo, chamam ás ?prociss?es? Cyrios, porque levam velas accesas. Muita chala?a a este respeito. Mulher irreligiosa é uma raz?o perdida no vacuo da consciencia; mas a que faz pra?a da sua incredulidade é cousa repugnante, tanto monta ouvil-a na sala como na taberna.
Se a snr.^a Rattazzi fosse uma escriptora seriamente critica, ridiculisando o maior santo de Inglaterra, devia contar aos portuguezes que Jorge foi um fornecedor de toucinho (bacon) do exercito romano, e que em vez de fornecer, cosia-se com os lardos suinos como qualquer fornecedor do exercito brazileiro do Paraguay. A justi?a perseguiu-o como concussionario; Jorge safou-se, fez-se ariano, e levou d'assalto a cadeira archiepiscopal de Athanasio. Depois, na capital do Egypto, a execra??o publica encarcerou-o afim de
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