A princeza na berlinda | Page 8

Urbano de Castro
tudo que produzem em sciencias, bellas artes e litteratura, mas ninguem se julga em obriga??o de lhes dar nada em troca. Detestam-os por instincto. Esta antipathia transmitte-se de paes a filhos, ou para melhor dizer, remonta de filhos a paes at�� ao primeiro imperio.?
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Disse uma vez um poeta nosso que certo sujeito era uma perfidia dentro d'um assucareiro, d'este trechosinho p��de dizer-se, parodiando aquella phrase:--que �� tambem uma perfidia dentro d'outra coisa acabada em eiro.
Com que ent?o em Lisboa quando se encontra um francez cahido no meio da rua, cheio de fome, morto de inani??o, passa-se para deante e n?o se lhe d�� nada, absolutamente nada, rien du tout?
Oh! honestissima e honradissima princeza, porque n?o se atolou mais um poucochinho no esterquilinio da calumnia,--para que deixou a cabecinha de f��ra? Que diabo! tem pouca imagina??o vossa alteza! gira-lhe nas veias sangue de principes, mas a calumniar n?o passa d'uma burguesinha--porque dizer s��, que a um francez que se encontra estendido na pra?a publica, nada se d��, nada se lhe faz?--porque n?o disse antes, que se varria esse francez d'envolta com o lixo, porque n?o disse que se lhe dava um bolo de strichinina?--Per Baco, produzia mais effeito, princeza!
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Afinal, de tudo quanto ha no seu livro, a pagina deveras torpe, �� aquella.
Do resto, diga-se a verdade, nem quasi valia a pena fallar.
Ah! mas aquella paginasinha, merece, merece que se escrevam algumas linhas...
Quem lhe disse, princeza, que os francezes eram detestados em Lisboa, detestados por instincto?--Eu sei quem lh'o disse,--foi a sua espertesa saloia. Vossa alteza sahiu de Portugal despeitada com muita gente,--por isto, por aquillo, por aquell'outro,--porque a nossa boa nobreza, que ainda a temos, n?o a visitou;--porque os jornaes n?o fallaram tanto quanto vossa alteza queria do seu talento e das suas obras;--porque a plat��a dos Recreios a pateou desapiedadamente; etc. Sahindo d'aqui despeitada quiz vingar-se. �� natural. Era preciso por��m para que a sua vingan?a fosse completa que ella encontrasse echo n'essa grande na??o que ainda hoje d�� as leis ao mundo.--?Vou desacreditar Portugal �� face da Fran?a--? disse a princeza com os seus algod?es.--Mas para que a Fran?a fa?a o acompanhamento �� minha serenata, o que heide eu fazer?--Porque afinal a verdade �� esta:--eu sou muito conhecida em Fran?a... Alfonse Karr, Boissieu, Pelletan... que o diabo, os confunda a todos,--mostraram bem quem eu sou, nas Gu��pes nas Lettres de Colombine, na Nouvelle Babylone... Ah! j�� sei! exclamou vossa alteza de repente:--escrevo que os francezes s?o detestados, execrados em Portugal... Sim, sim, �� isto:--Tonerre de Dieu! estava-me desconhecendo... Que tempo levei para fazer uma descoberta afinal t?o simples, e tanto na minha indole... �� claro como agua:--dizendo eu que os francezes s?o odiados, detestados, execrados, que ao v��l'os estendidos no meio da rua ninguem os soccorre, e que para ali ficam abandonados como famintos c?os vadios, elles, esses bons e enthusiasticos francezes, sentir?o o fogo da indigna??o girar-lhe nas veias, e correndo ao meu palacio, vir?o gritar em c?ro debaixo das minhas janellas:--Bravo princeza, bravo, quanto dizes d'essa cambada, d'essa canalha de portuguezes �� pouco; nunca as m?os te doam, mulher! Patifes, deixarem-nos morrer sem soccorros no meio da rua... Tira-lhes a pelle, escorra?a-os, frege-os em postas--e conta que as nossas ben??os cahir?o sobre a tua cabe?a.?
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Ora tudo isto, princeza, permitta-me que repita a phrase, n?o passou de esperteza saloia.
A Fran?a, sabe perfeitamente quanto �� querida e estimada em Portugal. Ella n?o ignora de certo que na hora da prova??o, quando rebentou essa terrivel guerra franco-prussiana, aqui n'esta cidade de Lisboa,--onde se abandonam vilmente francezes no meio da rua,--todos, sem distinc??o de classes, desde o chefe do estado, podemos dizel-o, at�� ao mais humilde cidad?o, todos faziam votos para que a victoria fosse coroar com a sua rutilante aureola as armas d'esse valente e generoso povo, que Portugal tem o bom senso de n?o tornar responsavel pelos actos praticados por dois dos seus despotas.
E olhe vossa alteza princeza:--tudo isto aconteceu estando um Bonaparte �� frente da Fran?a... Hoje, que n?o est�� l�� nenhum, calcule como ter�� augmentado a nossa sympathia por aquella grande na??o.
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A esperteza saloia precisava de correctivo. Ahi fica. A princeza diz que n��s os portuguezes somos muito pacientes. Assim ��, mas quando um mosquito come?a a zumbir-nos aos ouvidos, a importunar-nos, depois de o sacudirmos, uma, duas, tres vezes, zangamo-nos e damos-lhe uma palmada com tanta vontade... que o esborrachamos.
�� uma porcaria, d'accordo. Mas tambem para que serve a agua?
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Agora as ultimas palavras... as palavras da despedida.
N'uma carta circular que sua alteza dirigiu �� imprensa diz:--Il faut me pardonner quelques plaisanteries sans importance et sans parti pris... que �� como se dissesse:--queiram os senhores desculpar alguns gracejos innoffensivos e sem inten??o...
Ah! pois n?o princeza! Com todo
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